Ontem voltei ao bar do poeta sem pernas. Tudo continua como dantes. O mesmo poeta a arrastar sua cadeira entre as mesas, declamando intermináveis versos á sua eterna amada. Mesmos tamboretes queimados pelo sol escaldante, mesmos navios a lamber seu bar. O som...ah o som, o mesmo. Som de água batendo com força na muralha que o protege. Som dos pássaros marinhos que aportam nas mesas a catar as migalhas de sobras dos fregueses. Som do silencio tão forte que se pode até escutá-lo. O silencio perfeito que só é quebrado quando algum navio dá o sinal de partida num apito de doer, triste como uma despedida. Por vezes, algum frequentador resolve dedilhar um violão. Geralmente um solitário. Geralmente sofrendo dor de amor. Que dor triste!
         Cheguei, sentei e lá fiquei. De que mais precisaria além de beber esse instante, de me unir á paisagem, quietamente como se dalí sempre tivesse feito parte. O poeta me serve numa taça tosca, um vinho. Meus lábios o provam e logo me delicio, seu perfume é doce, sua cor sanguinolenta. E me embriago de poesia. Aos poucos, meus olhos vão catando as imagens. De início, olho o casco negro de um navio cá perto. Sua proximidade assusta e encanta. Logo me vem á cabeça um desejo remoto que aqui me aconteceu. Ser engolida por ele.
       Apuro a vista e alcanço a outra margem do rio/mar. É uma ilha paradisíaca de areias alvas, praia deserta. Continuo a espiar. Barcos passam raramente com as velas coloridas que outrora ornavam nossas águas. Um infeliz qualquer inventou um tal de motor, quebrando o silencio e a poesia de vagar devagar nas águas do rio/mar. E, torço para que eles respeitem meu momento e aquí não venham. O rio/mar não cansa de passar, não cansa de me encantar. Sua doçura se embrenha no sal marinho nascendo um sabor salobro. Sua cor pesada escorre lenta para o mar, onde irá enverdecer. Aos poucos, o dia se vai, a noite chega escondendo as paisagens. Chega invadindo tudo e todos com seus ares de mistério. Chega trazendo nostalgia, tristeza e uma saudade inexplicável de sei lá o que, mas que me rasga a alma.
       Tento escrever, me entender, nada sai. Vai ver que me encantei, virei verso, ou me dissolvi no apito desse último navio que partiu para o além-mar.