Meu Brasil brasileiro

“ Pombas”, se eu próprio não de me der a liberdade de dizer que sempre acreditei no Brasil e, especialmente, na generosidade do brasileiro, quem é que vai falar por mim?

Com esse pensamento, resolvi dizer com letras graúdas que nem um povo, nem um país consegue ser melhor que o brasileiro tupininquim, nem melhor que este Brasilzão, pátria- coração-de –todos.

Devo advertir o amigo leitor e a amiga leitora que não estou aqui para dar ponta-pé em ninguém. Detesto isso, não está em mim fazer tal coisa. Li há muito tempo que um cidadão da antiguidade, esqueci o nome dele, não conseguia punir ninguém. Se recusava a punir e pronto. Como eu admiro esse cara e fico envergonhado de não ter essa coragem : não puno e pronto, ora merda!!!

Vou dar uma dica ou um “bizu”, como se dizia no meu tempo. Olhem lá para o começo da minha crônica, começo, aparentemente, com uma expressão enraivecida: “pombas”. Mas como sou brasileiro, a primeira palavra que me ocorreu foi pomba, não uma pomba solitária, mas muitas pombas. E pombas, ora pombas, possui uma conotação lírica, lembrando amor, paz, plenitude e harmonia.

Esclareço um ponto importante, antes de prosseguir: não estou tratando do problema da criminalidade e de suas soluções, que podem ser encontradas em outros caminhos bem diferentes do direito criminal, com suas prisões infectas e medievais.

E tão pouco estou falando de algo que a psicologia moderna está descobrindo: o excesso de auto-estima, por incrível que pareça, está provocando tanta revolta e depressão nos jovens. Não estão aprendendo a suportar as inevitáveis frustrações próprias da vida.

O equilíbrio perdido não se recupera nem com excesso de mimo, nem com punição desmedida. Mas isso é outro assunto.

O que pretendo dizer, pode ser resumido na fábula do grande e ex-escravo Esopo: “ Uma formiga foi à margem do rio para beber água, e sem esperar, acabou sendo arrastada por uma forte correnteza, estando prestes a se afogar. Uma pomba, que estava numa árvore sobre a água observando a tudo, arranca uma folha e a deixa cair na correnteza perto da mesma.

Então, subindo na folha a formiga pode flutuar em segurança até a margem mais próxima. Eis que pouco tempo depois, um caçador de pássaros, escondido sob a densa folhagem da árvore, se prepara para capturar a pomba. Ele, cuidadosamente, coloca visgo no galho onde ela repousa, sem que a mesma perceba o perigo. A formiga, percebendo sua má intenção, imediatamente dá-lhe uma forte ferroada no pé. Tomado pelo susto, ele assim deixa cair sua armadilha de visgo, e isso dá chance para que a pomba desperte e voe para longe, a salvo.”

Moral da história: Nenhum ato de boa vontade ou gentileza é coisa em vão.

A minha ojeriza à violência, seja de que espécie for, é tão grande que me fez, sem eu perceber, sempre preferir esportes onde não houvesse o contato físico com o adversário, o caso do vôlei, do tênis de mesa e outros que tais. Sempre uma rede separando os adversários.

Já sei, já sei, algum desavisado, nesta altura, está imaginando outra situação: e aquele outro contato físico, o amoroso? Para esses, respondo de pronto e “bate-pronto”, que gosto que me enrosco...

Satisfeita a curiosidade, voltemos ao ponto que nos interessa aqui: de tanto ouvir depoimentos de generosidade do brasileiro e eu mesmo ter presenciado inúmeros atos de bondade, acabo por achar necessário um estudo sério sobre o assunto, para que não fiquemos apenas nas opiniões simplórias da cordialidade ou não do brasileiro.

Pois o jornalista Geneton Moraes Neto, ao entrevistar neste mês de fevereiro os consagrados Gilberto Gil e Caetano Veloso, fazendo um documentário, cita uma passagem emblemática e que retrata de corpo inteiro o perfil do brasileiro médio, dizendo com todas as letras: “Se eu fosse antropólogo ou sociólogo, poderia escrever, partindo deste comentário, um tratado sobre a alma brasileira” .

Vamos ao episódio, narrado pelo próprio Gilberto Gil: “os homens que o prendiam sem motivo arranjaram-lhe um violão e ainda pediram que fizesse um show para os soldados do quartel. Outro oficial, generosamente, ajudou-o em sua dieta vegetariana”.

Claro, no meio da generosidade há também a brutalidade. Mas os brutos são exceção e são doentes.

A prática da retaliação, de remoer os sofrimentos, da vingança, em nome de uma suposta justiça, perpetuam a violência. Mandela, na África do Sul, nos deu esse exemplo, impediu a vingança. O nosso maior Presidente, Juscelino Kubitschek, não punindo os militares que se revoltaram em Jacareacanga, também nos deu esse exemplo maior. E não satisfeito, anistiou novamente os militares na revolta de Aragarças, confidenciando ao seu Ministro da Justiça, Abelardo Jurema: “ não se governa sem mártires, nem com caprichos”.

Vou lhes contar uma passagem marcante. Quando eu estava com meus 20 anos saiu no jornal a descoberta de um contrabando de mercadorias na cidade de Manaus, cidade propícia a este tipo de acontecimento. Entre os suspeitos, um amigo da família. Meu pai olha pra mim e pergunta de supetão: o que você acha disso? Respondi sem pestanejar: “problema desse amigo, pensasse antes, merece ir para a cadeia. Ainda me recordo nitidamente do rosto de meu pai, um homem inatacável sob o ponto de vista da honestidade, com o rosto lívido, arregalou os olhos e não me disse uma palavra.

Depois de quase 50 anos decorridos desse episódio, entendo a visão mais ampla de meu velho pai, mas que mesmo assim respeitou a minha opinião juvenil.

Hoje, quando as pessoas me falam que prendem e arrebentam, que querem justiça, arregalo meus olhos. Ainda não aprendi a ficar em silêncio, como meu pai.

É por isso que o cronista que vos fala, humildemente, dá o seu grito triunfal, mesmo que seja no papel: Não puno e pronto! Mas arregalo os olhos!