A notícia

Wilson Correia

Era a terceira vez que o rosto dela estava roxo. Chamava-se Cristina.

Sentia-se constrangida ao ter que explicar às amigas e à vizinhança o motivo daquela marca estúpida em sua face. Com jeito, porém, driblava os olhares e as bocas curiosas -algumas indiscretas até. Guardava para si a verdade de que os murros do companheiro é que haviam produzido aquela chaga em suas bochechas, olhos e queixo.

Quando ela foi socada pela primeira vez, dirigiu-se à delegacia especializada do bairro onde morava. Contou que o marido tinha chegado com o comportamento alterado em casa; que, por ninharia vã, a havia espezinhado com chutes, pontapés, tapas e murros; que o ciúme turbinado do companheiro fazia com que ela se sentisse culpada por coisas que sequer tivera chance de praticar.

Com as providências anunciadas pela delegacia, Cristina voltou para casa. O marido fora intimado. Ouvido. Ralhado. Advertido. Condenado a prestar serviços à comunidade durante um mês. Nesse tempo, em conversa com Cristina, Claudinho -esse era o nome do valentão- prometeu equilíbrio e quetais.

O fôlego não teve grande duração. Em menos de 90 dias a desgraceira, nas palavras de Cristina, voltara a acontecer. Um agravante lhe enriqueceu a penúria: o braço esquerdo teve de ir para a tipóia devido uma fratura quase exposta provocada por uma bicuda de Claudinho quando ela já estava caída no chão da sala do casal.

Uma segunda vez Cristina se dirigiu à delegacia, prestou depoimento e queixa e tudo o que é de praxe nessa situação. Outra vez, o reincidente Claudinho foi levado perante as autoridades policiais, as quais, após as espinafrações formais previstas, conseguiram que ele fosse condenado a dois meses de prestação de serviços à comunidade.

Cristina achou as penas muito brandas em face da dor a que o companheiro a submetia. Mas fazer o quê se ele havia se arrependido e, novamente, prometido correção de rumo?

Novo fôlego. Cristina chegou a acreditar que tudo estaria bem. Passaram-se cinco meses sem que Claudinho a maltratasse. Num domingo, porém, quando o time de futebol dele caiu em desgraça, ele bebeu um gole a mais e foi direto descontar na mulher.

Ela correu para a delegacia:

– Desta vez, ele não me quebrou o braço, mas esfarinhou a minha alma.

– Compreendo, disse a autoridade policial.

– Quando vocês vão prendê-lo?

– Não é bem assim, minha senhora, disse a autoridade policial. Primeiro temos de obedecer ao processo formal. Não podemos agir fora da lei, entende?

Cristina não entendeu:

– Enfim, daqui a quanto tempo ele estará preso?

– Como ele já fugiu do flagrante, explicou o delegado, agora ele responderá ao processo em líber...

Cristina nem esperou a autoridade policial terminar de explicar o que aconteceria ao seu agressor. Levantou-se abruptamente da cadeira e foi ao posto de saúde para trocar os curativos. Durante o trajeto, pensou que aquilo de fato era o fim.

No dia seguinte o jornal trazia a seguinte manchete: “Espancada por marido mata autoridade policial”. Outro pequeno texto logo abaixo da manchete esclarecia: após registrar a terceira ocorrência contra companheiro violento, mulher perde a cabeça e mata autoridade policial do bairro com requintes de justiça.

Hoje se sabe que Cristina não passa de notícia.

Claudinho? Ah o Claudinho... Ele ainda anda claudicando por aí.