Lugares que lembram situações ou que os olhos d'alma sentem prazer - l

Desde pequena eu observava os lugares, alguns traziam em sí traços que de uma forma ou outra ficaram marcados pra sempre na minha lembrança, ainda que havia um vagar, um dia minha mãe pediu para a vizinha tomar conta de mim aquela noite, mas, não sabia o motivo que teria de passar a noite alí, mas, não esqueço o lugar, um sobrado sóbrio e bem arrumado, eram duas irmãs uma chamava Iole, nunca esqueci este nome e jamais vi alguém chamar Iole, a outra era Mari e o rapaz irmão delas chama-se Otávio, meus irmãos costumavam chamá-lo de Otávio, o violino, porque ele tocava violino nos cultos da igreja que frequentava, assim, jamais esqueci este dia, todos foram muito bons e urbano comigo, outro dia que guardei na lembrança foi a morte do presidente Kennedy, tinha então 9 anos, e pude sentir na ocasião uma comoção geral com a morte dele, assistia na televisão e ficava triste porque duas crianças pequenas ficaram órfãs de pai, achava-as bonitas e estavam passando por toda aquela tragédia, outro momento que não esqueço, é o primeiro dia que vim para a cidade, na ocasião os ônibus faziam ponto final no Vale do Anhangabaú, quando ele chegou mais ou menos perto da estação da Luz, olhei pela janela do coletivo e ví aquela multidão de gente à movimentar-se pra lá e pra cá, olhei para o céu e aí perguntei: - Meu Deus aonde vai toda essa gente? Andam depressa, sem olhar pra ninguém, caminham pra lá e caminham pra cá, oh Deus! De onde veio toda essa gente? É, de onde foi que eu vim? Que estou fazendo aqui? Lembro que foi a primeira vez que me reportei a Deus indagando sobre a existência! Outro momento que ficou na minha lembrança, foi a linha de trem, lembro que quando era muito pequena mesmo, tipo 3 ou 4 anos, morávamos próximo a linha de trem, aliás, ele passava bem aos fundos da nossa casa, era a Maria Fumaça, ela fazia piui, piui, piui a todo vapor pedindo passagem, penso que o lugar era alí na Água Rasa, sei lá quando passo por lá me vem essas lembranças na memória, outro dia marcante, foi quando morreu a Elis Regina, a cantora, tinha acabado de mudar para o apartamento novo em Santo Amaro, e quando recebí a notícia, estava próxima a uma janela e o sol batia ali e as folhas da árvore balançavam com o vento que soprava, olhei para a janela e disse: - que aquele canto era o céu de Elis, sei lá, hoje não moro mais lá, mas a lembrança ficou marcada e quando falam nela, volto a lembrar da janela e das folhas na árvore a balançar, sempre a fatos a nos marcar, ainda que advindo do cotidiano passar, por exemplo: - Quem não se lembra o que estava fazendo quando do atentado de 11 de setembro, acho que todos se lembram não é? Pois é, aquele dia acabara de deixar meus filhos na escola, subi rapidamente para casa, estava só, parei frente ao televisor e liguei o botão, pois, não gostava de ficar sozinha sem ouvir gente falar, ainda que fosse através o video, assim, acabei de ligar e em seguida já apareceu a imagem dos aviões colidindo com as torres gemêas, tentei entender o que se passava, e meus olhos observou que na tela estava escrito ao vivo, sentei pra entender o que acontecia, quase não pude acreditar no que estava vendo, caramba, não dá pra acreditar, ele fêz isto de propósito! Foi mesmo de propósito!? Peguei o telefone e liguei pra casa de meu irmão que morava mais próximo, meu sobrinho atendeu, eu falei: - Luciano, liga o televisor agora, acabaram de atacar os Estados Unidos? Do outro lado da linha ele pensou que eu estava brincando, não, é verdade, olha aí, quando ouvi ele do outro lado da linha falar, nossa que loucura, quem fêz isso? É, é impossível a gente esquecer quando fatos deixam a marcar. Mas, também há outros motivos pra eu cismar, ou até admirar, acalentar lugares no coração, quando eu estava a construir esta minha casa, havia feito apenas um cômodo grande e um banheiro, a princípio, somente para entrar, isto foi logo após passar por uma enchente lá na Inajar de Souza, na Cachoeirinha em 1994, enchente essa que tivemos perda total, graças à Deus não com vítimas, mas voltando à minha casa, comprei o lote para pagar parcelado, e construí este cômodo, apenas para entrar de imediato, não é lote grande, é meio lote até, mas, dava para eu circundá-lo todo, posto que não havia construções em volta dele, assim, nos fundos fazia uma lagoa, toda vez que chovia ficava alagado, então, batizei aquela lagoa, de lagoa Santa de Israel, e lá a gente quase sempre acordava com o barulho dos cavalos que vinham pastar bem perto da nossa porta, mas ali ficava aos fins de semana à divagar o olhar na lagoa, nos matos, e no pôr do sol que acabava findando sempre atrás da minha casa, hoje, já não há mais espaço livre, todos os lotes foram vendidos e pouco a pouco surgiram casas, e já não há mais mato e nem cavalos à pastar, bom, mas pegando carona nesta passagem, eu fui morar novamente em Santo Amaro, após o falecimento de meu marido, pois, meu irmão mais velho havia sofrido um AVCH, estava hemiplégico, ficou na cama após passar por duas cirurgias importantes no cérebro e ficar seis meses internado no Santa Marcelina de Itaquera, isto foi em 1996, e quando da alta ele foi morar também em Santo Amaro, eu fiquei por aqui até 1997, fui para Santo Amaro, justamente no dia da morte da Princesa Diana, também não dá pra esquecer este fato, ficou marcado, na sequência foi meu marido quem veio a falecer, assim fiquei em Santo Amaro de vez, minha mãe já era idosa e cuidava desse meu irmão sozinha, lembro que ela telefonava para meu serviço, pedindo para que eu mudasse para lá, queria que levasse as crianças, pois, estava muito triste em ver a situação que meu irmão ficara, fazendo outro parêntese aqui, devo dizer o que, o neurocirurgião falou após abrir o cérebro do meu irmão, disse que ele devia agradecer à Souza Cruz, pelo dano que os cigarros fizeram no cérebro dele, dissera que era nicotina pura e frisava o tempo todo que estava com o atestado de óbito dele nas mãos, as vezes até pedia pra gente não sair do hospital, mas, eu sempre tive muita fé e pedia a Deus, pra não recolhê-lo naquele momento, pois, ele ainda não estava preparado, nem ouviu falar de Ti meu Pai, assim, ele surpreendeu toda a equipe médica e o doutor vendo que ele havia passado o estado crítico, deu alta após seis meses de internação, ele voltou pra casa, que foi só pele e osso, mas, uma coisa eu pedi sempre a Deus que não lhe tocasse no cérebro, pois, ele tinha que ouvir a mensagem, e sabem de uma coisa, ele lembrava até de brincadeiras de quando nós tínhamos 5 anos de idade, lembrou quando pôs fogo numa bolsa de água-quente e com um cabo de vassouras, balançou no ar e atirou longe, acertando minha mão esquerda, e parte da bolsa ficou fritando nela, lembrou de outras artes que a gente fazia quando mamãe não estava por perto; ele era perito em problemas com carros, conhecia de tudo um pouco, até pelo ronco do carro, sabia dizer se o carro estava bom ou não, respondia os quiz da televisão mais rápido que a gente, pois, a televisão passou a ser o seu entretenimento favorito, desde que ficou ligado naquela cama, olha pra falar a verdade ele era prisioneiro do próprio corpo e isto aos 46 anos de idade, se as pessoas soubessem o quanto se envenenam com cigarros, jamais poriam um na bôca, sem contar a despesa que ele causou, teve que aposentar por invalidez aos 46 anos de idade, fora todos os gastos médicos-hospitalares que custou ao SUS e ainda o desgaste de todos nós que ajuntámos ao redor da mamãe para auxiliá-la nos cuidados com ele, mas outra coisa eu tenho que reconhecer, se meu irmão partisse sem estar limpo, zerado, não sei não, ele era totalmente infeliz, estava separado da minha cunhada, teve com ela três lindos filhos, porém, foi dar vazão ao mundo que nos joga na lata do lixo, quando não temos sabedoria para viver, perdeu tudo, perdeu família, perdeu bons empregos, pois aliado ao cigarro ele bebia como se fosse para acabar-se mesmo, sem contar as mágoas que ele trazia em seu coração, as vezes eu acho que ele viveu apenas estes sete anos e meio, em que esteve prisioneiro de sí mesmo, porque antes ele era vivo (seu corpo todo), andava com suas pernas, mas na verdade era um morto, viver, viver mesmo foi só quando ele ouviu falar de Cristo, quando ele abriu o coração e muitas vezes reconheceu o quanto havia pisado na bola, o quanto havia contribuido para estar do jeito que estava, mas, ainda assim ele não era revoltado não, ele continuava brincalhão e parecia até feliz da forma dele aceitar toda esta situação, pediu perdão ao sogro dele, por ter magoado ele e a filha dele, achei bonito isto, meu irmão estava ficando zerado com suas dívidas e penso que Deus lá do céu sorria pra ele a cada acêrto firmado, bom mas, vou voltar ao fio da meada, fiz já um extenso parêntese, agora falarei da minha ida para Santo Amaro, fiquei viúva em outubro 1997, meus filhos estavam com sete e cinco anos de idade, assim, já em idade de iniciar o período escolar, se bem, que eles sempre estiveram em escolinhas, pois, tinha que trabalhar e não tinha outra forma, então minha mãe quiz que eu ficasse por lá, posto que os meninos iriam dar mais vida à casa e seria bom para ela, e fomos; chegando lá, olha só a diferença mesmo dentro de São Paulo, vivia na grande São Paulo, e fomos pra periferia da zona sul, ao chegar lá, meus filhos fizeram alguns amiguinhos, e os meninos de lá perguntavam a eles, de que brincavam aqui, e o que tinha por aqui: - Eles responderam que brincavam de soltar pipas, o mais velho soltava pipa com o pai as vezes, e de pique fica e esconde-esconde e de jogar video-game, e que aqui tinha vaca, tinha cavalos, tinha sapos, mato e cachorro e que eles tiveram um cachorro chamado Duque, que havia morrido, e então perguntaram: - E vocês do que brincam aqui? - Ao que os garotos responderam de polícia e bandido, assustador que dentro de um mesmo espaço apenas alguns quilômetros de distância e como as crianças pegam tudo sobre o meio que vivem, estarrecedor que numa periferia as histórias sejam tão tristes a ponto de marcar a cabecinha de crianças com a mesma idade que os meus, assim, fizeram amizades com uns garotos bons, de uma família que viera de Minas e que também já haviam morado em sítio e sabiam também sobre animais, os primeiros dias lá os meus filhos observaram uma cadela de rua que estava para ganhar os filhotinhos, assim, com ajuda desses novos amiguinhos, foram construir uma casinha para abrigá-la em um terreno baldio do lado e passaram a cuidar dela e depois dos filhotinhos também, até acharem pessoas que quizessem cuidar dos cãozinhos, bom, acho que já estendi bastante, mas, ainda quero falar que até hoje eu gosto de ligar lugar a sentimento, aqui por exemplo já estou de volta fazem já seis anos, está mais repleto de casas, acabou um pouco o isolamento, não mudou muito, é como se tempo parasse por aqui, mas gosto, principalmente da tranquilidade, dos pássaros cantando, acordo sempre com eles cantando, olho para a rua que segue com sua quietude, quebrada apenas quando as crianças começam jogar bola,andar de bicicletas ou simplesmente parar pra brincar, pra conversar, ainda o turbilhão de barulho que existe lá fora não chegou até aqui, barulho que digo é de tráfego intenso de carros ou motos, por enquanto eu gosto muito de estar na minha Itaquá!....