Música para os Ouvidos

Prefiro sempre ficar de olhos fechados. Me estico na cadeira, fones no ouvido - deixo a seleção no randômico, gosto da surpresa da próxima boa música.

Não abro os olhos para não ver o prédio, enorme. Deixo o som muito alto para não ouvir as pessoas, todas são barulhentas demais. De olhos fechados, ali, deitado ao sol, ouço apenas um leve murmúrio e não posso identificar o que dizem. Gosto de imaginar que estão desesperadas, gritando, pedindo socorro... por causa do prédio, claro.

Ele vai cair a qualquer momento, por isso eu não abro os olhos enquanto tomo sol. Começa a inclinar-se em minha direção, enquanto ouço Rage Against the Machine. As nuvens passam rápido, muito apressadas por trás da construção, o vento é forte mas não vai segurar tanto concreto.

O prédio está sempre caindo. Sempre. E nunca termina. Já me disseram que é loucura minha, porque a Terra gira, as nuvens se movimentam e dão a ilusão de que ele vai ruir. Mas eu não acredito. Mais provável um prédio cair que um planeta girar.

É claro que a história se repete, os personagens são sempre os mesmos. Há um número limitado de comportamentos e atitudes esperadas entre os seres humanos, porque na realidade há grandes agrupamentos por semelhança e não existe nenhum indivíduo no sentido literal da palavra. Ninguém é livre e só. Somos sós e temos amarras.

Existem os que são assim e reagem assado, existem os que não são e não agem, existem os que pensam ser e ameaçam agir e assim por diante.

Eu não me enquadro em nenhum destes grupos, assim como meus iguais - que não são muitos, mas encheriam uma boate, soltando fumaça pelas ventas e sorvendo o que houvesse na frente. E minhas histórias são sempre as mesmas. Insossas. Cheias de homens e mulheres invisíveis cheirando a enxofre. Minha cabeça vazia, com o apito ensurdecedor do silêncio. Como alguém pode viver no silêncio quando existe The Number of the Beast, do Iron Maiden? O dia inteiro, a noite toda. Não durmo nunca, não tenho paz.

Um dia, quando ela voltar, estarei seco o suficiente. E toda a terra em seu rosto será pouca.

Já foi assim uma vez, e a história se repete. Porque são todos iguais. E eu ainda sou o mesmo