Mais uma vez um drinque
 
Em tempos difíceis eu precisava me adaptar ao novo emprego naquele boteco de quinta, com seus frequentadores bêbados e de mãos ensebadas. Logo eu que já servira em ambientes requintados. Lembro-me, não sem saudade, da nata parisiense com quem podia ficar no balcão do bar, enquanto os drinques eram servidos e a conversa corria solta.
 
Da mãe afro-brasileira, de cabeleira cacheada, herdei o efeito frisante que as palavras têm ao passear pelo céu da boca logo após serem processadas. É quando se soltam macias, românticas e seduzem mulheres que as sorvem lentamente como que em seus próprios lábios. Do pai francês herdei o nome, Perrier... Um atrativo a mais que o sotaque exige ao pronunciá-lo; não uma pronúncia sensual, mas que também escorre pela garganta.
 
Sempre de verde, continuo a apreciar um bom papo quando o percebo. Uma amiga, do alto de seu pescoço fino, disse-me que tenho faro para descobrir só pela forma de alguém mover as pedras de gelo e sorver o drinque, se o cliente será ou não uma conversa atraente.
 
Hoje o dono do boteco me chamou para um canto e, após selecionar outros vários copos, comentou com o barman: “O que irei fazer com este copo de garrafa cortada, que agora está trincado?”. Ao que este lhe respondeu: “Quer dá-lo para mim? Ele está há tanto tempo aqui quanto eu e a minha netinha poderá usá-lo como porta canetas!”.
 
Mais uma vez mudei de emprego. Porém sem nenhuma serventia, pois a menina prefere um estojo moderno a um copo vazio de palavras.







Escrito para o mote Copo Vazio do BVIWtecendoletras 
http://www.letrasdobviw.blogspot.com/

meriam lazaro
Enviado por meriam lazaro em 13/02/2011
Reeditado em 10/07/2011
Código do texto: T2789609
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