Em terra de cego quem enxerga de um só olho é caolho

Mesa de sorrisos fartos. Abraços perdulários de paixões; apenas apertos entre faces que se tocam dentro do cotidiano sufocado pela tarde dum horizonte de fogo – escarros na mesa com o gosto do confronto pedante do conhecimento. Sob os bancos, rostos quasimodescos; sobre os assentos, a ejaculação das novas formas do encontro da carne: pernas entrelaçadas, sexos expostos sobre as testemunhas da história – "A mesma praça, os mesmos bancos, as mesmas flores, o mesmo jardim...” Tudo não é mais igual. Não mais os mesmos cantores, não mais as mesmas dores...

Fartas vestimentas do modismo cultural, costuradas com a ausência das linhas de palavra. E o novelo das novelas vai cosendo as visões: cozinhando almas de Apolo que se doam a outros corpos-apolos, nunca à simplicidade de um Vulcano – a junção com o feio não vende moda, não rende atenções, não causa o impacto da formação do casal perfeito; apenas empobrece as periferias, saturadas com notícias de sangue.

Uma tarde de busca. O simples saber sobre os matizes das raízes da nossa cultura. Quem criou os sustentáculos do banco da praça que se entristece com o saudosismo dos antigos namoros, que se agoniza com o peso do palavreado fútil, que testemunhou e não foi ouvido na procriação indesejada, que agoniza a cada dia com as mortes de mentes saturadas, sufocadas com o peso dos livros mais vendidos...

Quem doou ao nosso folclore o peso das bundas de mentes sofríveis; quem o fez sofrer - mais do que a origem da sua história - jogando-o no anonimato sobre blocos de cimento,... !? O silêncio das profundezas das águas do Velho Monge, que guarda lendas, é resposta quase unânime no metier cultural – mas não faz mal; um anjo avisa que “Toda unamidade é burra”. E nós corroboramos, comprando o livro pelo único fato de ele ser o mais vendido.

O rosto, com seu semblante carcomido, continua lá; aliás, em quase todas as praças das cidades do Piauí. Corpo de cimento; mero coadjuvante sustentando a carne sem compromisso com a alma. Testemunha silenciosa; tentando resguardar-se do sol, da chuva, da sobra de esperma... Rosto triste, ar cadavérico, dupla agonia: a maldição da mãe e o anonimato. Ao seu lado, peixes dão-lhe suporte à sua clemência visual, enquanto os caçadores de donzelas chutam-lhes as faces: castigo pela perseguição às virgens. Nas últimas janelas do tempo, os deuses do hímen tentam proteger a dignidade da família.

Mesa de desconhecimentos fartos. A agonia do conhecido: notícia do novo “Big Brother” comedor de almas ávidas pela doutrina do fuxico, do sexo explicito... Desisto! Meus quatro pés ao redor de quatro pés, ouvindo quatro pés.... Caminhada em vão, sem o conhecimento da origem do criador da agonia dos blocos de cimento. Pouco os notam, nem mesmo sabem o que são: “anjos barrocos”, “demônios”, “esculturas sem nome...” O que importa, numa olhada tortuosa, são apenas “pernas de banco”.

A pouca visão cultural de um povo muda as lendas. Agora, o Cabeça-de-Cuia não terá apenas que devorar sete Marias virgens para acabar com sua maldição; terá, também, que sair de debaixo dos bancos das nossas praças ileso e levar consigo os piaus que lhe fazem companhia, antes que sejam detonados pelo “corredor de boi” do desinteresse cultural – falta de interesse enegrecido pelo modismo caolho de vestes escuras, que tenta travestir, na roupagem do dia-a-dia, um “personal-cult” nos encontros de conversas fiadas e visões culturais de um olho só.

Até mais ler, pelos encontros culturais da vida!

Kal Angelus
Enviado por Kal Angelus em 01/11/2006
Reeditado em 08/11/2007
Código do texto: T279153