DURANTE

Você deve saber a data e a hora do seu nascimento. Talvez saiba apenas a data, talvez ignore a hora, ou, você pode ter sido abandonado numa lixeira aos três dias de vida, o que contribuiu para que as informações do seu registro de nascimento ficassem inexatas. Os nascimentos são mais importantes que os registros. Você pode não ter um registro de nascimento, pode ser uma pessoa que odeia aniversários.

O que interessa é que, sabe-se lá que dia, hora, minuto, segundo; sabe-se lá onde, você NASCEU! Você nasceu e, com certeza, irá MORRER.

Não existe alguém capaz de prever o dia e a hora de sua própria morte, ou da morte de quem quer que seja. Até mesmo os médicos se equivocam: - Com certeza nos próximos dois dias ele virá a óbito! E o moribundo resiste por mais três ou quatro meses, a duras penas, continua VIVO, ademais, homens intensamente perseverantes, amparados pelos melhores (e mais caros) recursos disponíveis na área médica podem contrariar o comentário: JÁ MORREU; o José Alencar que o diga...

Você pode saber a data do seu nascimento, porém, não sabe a da sua morte. Até a chegada de Thanatos, VOCÊ TEM TEMPO. Não pode mensurá-lo, mas, ainda o tem.

Eu nem sei qual a sua idade, sua profissão, a condição da sua saúde, como anda o seu coração... Você pode ter 102 anos e estar lendo estas besteiras por acaso. Caso tenha realmente 102 anos, por favor, tente se lembrar de como era a sua vida há 80 anos.

Você pode ser um catador de material reciclável que aprendeu a ler a pouco mais de dois anos e, desde então, de forma compulsiva devorou todos os livros que pôde, de Filosofia à auto-ajuda, passando pela Poesia. Um dia exercendo o seu trabalho, você deve ter encontrado estes rabiscos dentro de um envelope vermelho. Remetente não identificado. Escrito no campo do destinatário: PARA O CATADOR DE MATERIAL RECICLÁVEL. Eu não sei seu nome, mas, desejei que você lesse isto.

Você pode ser uma portadora da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida que se descobriu enferma recentemente. O resultado do exame lhe foi revelado ontem, desde então, você está fumando e bebendo sem parar. Apesar do coquetel e da estimativa de vida a angústia invade o seu espírito. O seu casamento está marcado pra amanhã e você não sabe como contará a ele. Vinte e cinco anos, linda como aquelas vendedoras do shopping, rica como os donos de shopping. Um fardo tão pesado... Eu desejo que você leia até o fim, não me alongarei muito.

Você pode ser o noivo da mulher do parágrafo anterior, aquele que está prestes a descobrir que a amada tornou-se soropositiva porque trepou diversas vezes com o seu melhor amigo... Aquele jactancioso. Inúmeras conquistas. Sedutor barato. O cara que odeia preservativo... Você está aflito para se submeter ao exame.

O senhor de 102 anos já passou da hora de morrer, no entanto, está vivo ainda consegue ler e no fundo, está dando risada disso tudo. Emite estrondosas gargalhadas por se lembrar de quando tinha 22 anos e matava o tempo escrevendo sonetos eróticos. O Catador de Material Reciclável decidiu que será um escritor. A adúltera que adoeceu acha que não vive nem mais dois anos; ela também pondera que em dois anos podem acontecer inúmeros fatos. O Catador de Material Reciclável... Todos aqueles que ocupam a condição de noivo e estão com o casamento marcado para amanhã parecem levemente desesperados.

Você pode saber a data do seu nascimento e não pode saber a da sua morte. O velho já quis se matar, o catador já quis se matar, a mulher quer se matar, o noivo logo vai preferir estar morto e, até mesmo eu, já pensei em suicídio. Todos nós, apesar dos muitos pesares, estamos vivos. VIVOS como aquela criança que nasceu agora!

Eu fui abandonado numa lixeira aos três dias de vida...

Jefferson Flauzino
Enviado por Jefferson Flauzino em 19/02/2011
Código do texto: T2801379
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.