O PRAZER DA LEITURA

“Sede como os pássaros que, ao pousarem um instante sobre ramos muito leves, sentem-nos ceder, mas cantam! Eles sabem que possuem asas” (VITOR HUGO-OS MISERÁVEIS).

O gosto pela leitura veio cedo, uma doença debilitante colocou-me na cama por três meses seguidos. Numa época sem televisão, afinal estávamos na metade dos anos 60. Lembro-me de meu pai dizer que deveria ocupar meu tempo lendo. Trouxe-me então, ROBINSON CRUSOÉ, antes fez uma sinopse do livro: “história de um indivíduo que passou boa parte de sua vida, praticamente sozinho em uma ilha. Depois deu para eu ler os romances juvenis de CAPA E ESPADA e A ILHA DO TESOURO, entre outros. Tinha na época apenas 11 anos de idade. Os três meses passaram rápido, mas o gosto pela leitura continuou até os dias de hoje.

Depois disso, conheci Vitor Hugo e apaixonei pelos MISERÁVEIS: “João Valjean preso e condenado as galés pelo resto da vida por roubar um pão”. O autor expõe as injustiças sociais da época, ao mesmo tempo, mostra todas as potencialidades do ser humano expressas na sua grande capacidade de AMAR. Em seguida, conheci os autores nacionais, começando por Jorge Amado. Em meus sonhos de adolescente viajei pela terra do cacau e pela Bahia de todos os Santos. Pelas letras precisas desse maravilhoso Baiano, conheci Itabuna e Ilhéus. Tudo isso, antes dos 15 anos: nessa fase da vida minha imaginação era perfeita, parecia que estava lá, acompanhando todos os acontecimentos. A descrição envolvente do velho Jorge deixava-me extasiado pela formosura das mulatas e também pela paisagem exuberante da Bahia.

A leitura desses livros, além da poesia, possibilitou a percepção das diferenças sociais em nosso país e daí, veio o gosto pela política transformadora, consolidada pela leitura de VIDAS SECAS E MEMÓRIAS DO CÁRCERE de Graciliano Ramos. Em vidas Secas ele escreveu o romance inteiro utilizando-se a 3ª pessoa do singular, frases curtas, incisivas, secas, quase sempre em períodos simples. Nele os bichos de estimação têm nomes, as crianças não. Observa-se no texto, uma crítica feroz aos grandes latifúndios dos sertões nordestinos. Livro genial, sem apelação de sexo ou de qualquer outro subterfúgio para angariar leitores. Uma linguagem perfeita, rigorosamente dentro dos parâmetros da “flor do Lácio”, resultando em uma verdadeira obra de arte.

Posteriormente, após degustar a obra desse ilustre alagoano retornei a literatura internacional: Charles Dickens, Tolstoi, Dostoievski, Émile Zola, Aldous Huxley entre tantos. Desses, o que mais me impressionou foi Leon Tolstoi em GUERRA E PAZ, com centenas de personagens em um romance épico que retrata a invasão da Rússia por Napoleão. mostra ainda o preconceito e a hipocrisia da nobreza, e também suas tradições religiosas, ao lado da vida cotidiana dos soldados e dos servos. Lembro-me de uma parte do livro, onde ele retrata um episódio deprimente da alta sociedade: “dois representantes da nobreza russa combinam a troca de uma família de servos por uma matilha de cães de caça”. Esse autor humanista mostra em seus romances a verdadeira essência da vida e adverte: “á quem passe por um bosque e só veja lenha para a fogueira”.

Assim cheguei à idade adulta e agora estou entrando na terceira idade. Muito embora, Dostoiévski descreveu no livro intitulado O IDIOTA: “o general estava no que se chama a flor da vida, com seus cinqüenta e seis anos, não mais; e nós bem sabemos que isso é que é a verdadeira flor da existência do homem, a idade em que realmente a vida começa”. Logo ainda tenho muito chão a percorrer, apesar de nunca ter saído de meu país e viajado de avião. No entanto, dentro de casa vislumbrei a Capela Sistina pintada divinamente por Michelângelo. Imaginei a sensação térmica de 20 graus abaixo de zero pelas sábias palavras de Dostoievski em RECORDAÇÃO DA CASA DOS MORTOS. Já nas estepes da Rússia, senti-me cavalgando na garupa de uma das lindas personagens de Tolstoi, um espetáculo fascinante.

Antes de terminar gostaria de recomendar os SERTÕES de Euclides da Cunha, para quem não leu ainda: uma viagem emocionante que jamais esquecerá! “Varada a estreita faixa de cerrados, que perlongam aquele último rio, está-se em pleno agreste, no dizer expressivo dos matutos: arbúsculos quase sem pega sobre a terra escassa, enredados de esgalhos de onde irrompe solitários, cereus rígidos e salientes, dando ao conjunto a aparência de uma margem de desertos. E o fácies daquele sertão inóspito vai-se esboçando, lenta e impressionadoramente”... Descrição precisa, rica em detalhes que vale a pena conferir. Quem não conhece CANUDOS, não conhece o BRASIL!

João da Cruz
Enviado por João da Cruz em 19/02/2011
Reeditado em 19/02/2011
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