Trechos do livro "O mendigo Samuel" - por Gabriel
"- Companhia Telefônica, Íris, boa tarde.
- Boa tarde. Eu preciso de ajuda.
- Em que posso ajudá-lo, senhor?
- Tenho que saber onde moro!
- Me desculpe, senhor. Não entendi.
- Eu preciso saber onde moro. Estou perdido.
- Perdido?
- Sim, moça. Eu estou em um lugar que não conheço e não sei
voltar para minha casa.
- Infelizmente não posso ajudá-lo, senhor.
- Como não? Você é paga para dizer que não pode me ajudar?
Mas que falta de profissionalismo é esse?
- Eu não tenho condições de ajudá-lo, senhor.
- Mas eu só quero que você me diga onde moro! – o telefone fica
mudo por alguns segundos. O mendigo não consegue escutá-la. – alô! Alô! Ô cacete! Fala comigo! - Em seguida, a ligação volta.
- Tudo bem, senhor. Por favor, me diga o nome do senhor, e o CPF.
- Meu nome é Samuel.
- ‘Samuel’ de quê?
- De apelido.
- Pode repetir?
- É apelido!
- Apelido?
- Sim, me chamaram uma vez de ‘Samuel’ e eu adotei esse nome.
- Mas eu vou precisar do nome verdadeiro do senhor.
- Eu não sei o meu nome.
- Não sabe?
- Sim, eu estou perdido na rua, não sei o que aconteceu comigo e não
lembro meu nome.
- O senhor deve ligar para a polícia.
- Não quero! Eu quero é que você me ajude!
- Mas se o senhor não me passar o nome do senhor e o CPF, eu não posso ajudar!
‘Samuel’ desliga o telefone e desfere murros de cima para baixo
contra o orelhão. ‘Saco!’ - grita o mendigo.".
***
“Eu acho que posso ser comparado a uma sombra quando paro de costas para a multidão e de frente para o mundo. Me deixo levar com o vento.
Ele me guia. Resolvi seguir o vento. Lembro de ter visto uma
bússola em uma das vitrines das lojas. Curioso... a bússola tinha a
letra “n” de “norte” pintada de laranja, como se o norte fosse mais
importante que qualquer outra direção. Eu torço para que o vento
esteja realmente soprando para o norte, pois vou segui-lo."
'O vento será meu deus, meu protetor, meu guia!' – exclama 'Samuel', com os braços para o alto. Em seguida chupa demoradamente o dedo indicador e aponta-o para cima, ignorando as risadas e a chacota das pessoas ali próximas. Elas estão paradas, algumas em pé, outras sentadas num banco de cimento, numa estrutura com cobertura de aço. O mendigo percebe que próximo delas existe uma placa azul com o desenho de um ônibus. Mesmo observando-as, Samuel aponta ainda para cima, sentindo a posição do vento. Um ônibus pára e as pessoas esbarram nele, entrando apressadamente no ônibus. O motorista observa o mendigo sozinho no ponto, com o braço levantado.
- Vai subir ou não, companheiro? - pergunta em voz alta.
Samuel responde com outra pergunta.
-Vai para o Norte?
- Vai para a Cohab - o motorista engata a primeira.
- Então eu não subo! - com a mesma mão que está apontando, Samuel chacoalha o dedo, fazendo "não".
Uma velhinha perde a paciência: "anda logo, motorista! Esse cara não bate bem, cê não tá vendo?". O ônibus vai embora e 'Samuel', ainda
com o braço levantado, deixa de apontar por mais um instante, abre a
mão e acena para o motorista, gritando "tchau, coleguinha! Boa
viagem!".