Desencontros

São Paulo. Anoitece. Tem-se a sensação de que neste momento, toda a cidade pegou o seu carro e caiu na estrada. Cada milímetro é disputado entre veículos e motos num rebuliço infernal. A falta de espaço entre os veículos atrapalha até o trânsito das moscas. Pobres mortais, indefesas, sem culpa.

É possível que em alguns daqueles carros isso aconteça também. O celular toca. O motorista o olha, jogado, no banco do passageiro. O número do telefone indicado no visor do aparelho é o da casa. A vontade é de jogar o celular, tão útil e tão irritante, pela janela, mas a defenestração neste caso é controlada.

Alô!

Aonde você está? No trabalho é que não, né?! – Poliana não perguntava, afirmava por instinto, como faz toda mulher ciumenta.

Então escute as buzinas pra ver como eu não estou mentindo! – Esta técnica não mais adianta. Há muito já foi famigerada pela dramaturgia. Era artimanha de marido que trai mulher. Portanto, de nada adiantaria.

Está tudo acabado, Poliana!

Como assim? Eu bem que duvidava!

Não era isso que eu deveria dizer, Poliana! Poliana, você por favor...

Esquece, Caetano!

Alô! Alô! – Insistia sem nenhum resultado prático. - Droga! - Por causa de um acesso de desespero, acabara tudo. Não havia necessidade. Ela estava compreendendo a sua situação. Agora é tarde. Veja só o que o desespero faz...

Caetano não mais batia à porta da casa, já a agredia. Se fosse uma pessoa, talvez esta, estivesse desmontada.

Você não tem vergonha, Caetano? – Fora vencida pela insistência do ex e abrira a porta.

De você só quero a chave do carro!

Ficou lá!

Na casa da vagabunda?

Não. Na Avenida Paulista!

Desceu do ônibus. Na Avenida Paulista o trânsito caminhava, ou melhor, fluía quase que normalmente. Seria de mais o carro estar ali, parado, esperando o dono. Mais que isso, seria um acinte ao dito popular, não estariam dois carros ali.

Caetano, como você é idiota! E agora? Como fica?

Eu compro outro.

Dinheiro de onde? A gente nem pagou esse ainda, meu Deus!

Tem razão... – A consciência pesou em Caetano. – Eu não estava te traindo, Poliana. Era só uma brincadeira.

Fazia um frio na rua, daqueles de gelar os ossos e a alma. Poliana jamais fora assim, tão dura. Passou a noite toda a imaginar onde estaria o seu Caetano. Ele não a trairia. Era diferente dos outros, e fora isso que a conquistara.

Como sempre faz pela manhã, abriu a porta e pegou o jornal que pela madrugada o jornaleiro o jogava. Na capa, a foto do congestionamento na cidade.

Isso já não é mais novidade pra ninguém! – Era um desagrado que tomava conta de si. Não tinha tanto mau humor como hoje.

Caetano?! – O espanto a fez se afogar com um gole de suco que estava bebendo. Caetano, o suposto adúltero, estava na capa do jornal, com a mão fora do carro e segurando o celular. Pro mundo todo, a prova. Não restava mais dúvida, ele tinha razão. Se arrependimento matasse, o inferno seria a residência dela.

Atende, Caetano!.... – O celular ficou no carro sumido – Pro escritório! – Lembrou.

Ele ainda não chegou. – Respondeu a secretária, com a sua voz melíflua.

Caetano caminhava pelas ruas feito cachorro sem dono. Parou pra olhar na banca de jornais na Praça da Sé a sua foto, como manchete do Estadão.

Me perdoa, Caetano! – Não era uma pergunta. Era uma ordem. Remorsos...

Se Manoel Carlos estivesse ali, naquele local, e não nas ruas do Leblon, teria a inspiração pra uma das mais belas cenas de amor que a Globo já produziu. Só havia por perto, além do jornaleiro, uma velha, carola de igreja, moralista, quadrada.

Que pouca vergonha! De agarramento no meio da rua! Isso é o fim do mundo! – E a velha pegou seu rosário e rezou as tantas ave-marias e pais-nossos.

E o nosso carro, hein? – Perguntou, com medo das respostas, Caetano.

Esqueci de te dizer que eu fiz, na semana passada, um seguro total. – Respondeu, ainda sem jeito, Poliana.

A chuva começava a inundar as ruas paulistanas. São Paulo não se reconhecia como a “terra da garoa”.

Willian dos Reis
Enviado por Willian dos Reis em 02/11/2006
Reeditado em 19/08/2007
Código do texto: T280586