UMA LIÇÃO DE VIDA! (Singela homenagem aos Nikkeis do Brasil)

"Se quiser conhecer um cavalo, monte nele; se quiser conhecer uma pessoa, conviva com ela"(PROVERBIO JAPONÊS).

Conforme os historiadores Sato e Shimamoto (2008), a imigração japonesa no Brasil começou no início do século XX, através de um acordo entre o governo japonês e o brasileiro. Atualmente, o Brasil abriga a maior população japonesa fora do Japão com cerca de 1,5 milhões de japoneses e seus descendentes. Vieram para plantar café no estado de S. Paulo. Os imigrantes japoneses raramente se casam com um não-japonês, porém, seus descendentes, a partir das segunda e terceira gerações, começaram cada vez mais a se casar com pessoas de origem não-japonesa. Dessa forma, a integração nipo-brasileira consolidou-se definitivamente. A determinação no trabalho, a paciência e a capacidade de estudo desse povo de cultura milenar, fizeram com que passássemos a respeitá-los e também a admirá-los.

Uma das características peculiares desse povo é o apego familiar. Para eles, a família é o centro de toda a sociedade. “Na falta do pai, o filho mais velho assume essa função e inclusive, sacrifica-se em prol dos outros irmãos. Assim, “a responsabilidade de assumir todos os encargos familiares na ausência ou dificuldade dos pais recai, na tradição japonesa, sobre o filho mais velho”. (TOMA, 2000). Muito embora, o rigor em preservar os costumes pode muitas das vezes causar sérios problemas para família. Os casamentos arranjados (NYAH), algumas vezes,sem um dos cônjuges conhecer o companheiro até o dia do matrimônio, pode levar a infelicidade familiar. Nosso relato versará sobre uma família japonesa, onde o primogênito, para não fugir a regra, sacrificou sua vida para possibilitar aos seus irmãos uma vida mais digna, mais humana e mais feliz!

Senhor Issao chegou ao Brasil aos 16 anos, ele e sua família, por sinal composta por mais duas pessoas, seu pai e seu tio. Veio plantar café na região de Sacramento-MG. Depois,mudaram para a zona rural de Uberaba-MG. Posteriormente, casou-se constituindo sua própria família tendo com sua esposa 8 filhos (7 homens e 1 mulher). Viviam com dignidade, apesar das dificuldades: "trabalho árduo diário de sol a sol, sem nenhuma regalia". Contudo, apesar dos pesares, era uma família feliz. Todavia, a morte prematura da esposa, deixou Issao sozinho com sete crianças e uma adolescente. Muito embora, sua filha na ocasião, ter apenas 15 anos de idade, já tinha aprendido a cozinhar, lavar e cuidar da casa, tudo isso ensinado pela sua mãe. no entanto, já estava com seu destino traçado: seu pai tinha assumido um compromisso de dá-la em casamento a um patrício seu. Ela não conhecia seu futuro marido, mesmo assim, acabou casando-se, apesar de tê-lo conhecido nas vésperas das núpcias.

Essa menina moça, como toda adolescente tinha seus sonhos. Fazia parte deles, um rapaz amigo e conhecido de longa data. Entretanto, a palavra dada por seu progenitor ao pai de outra pessoa, obrigou-a casar sem amar, ou mesmo gostar do noivo. Assim, foi condenada a passar a vida inteira ao lado de um homem totalmente estranho. Que a maltratava, não deixando, inclusive, que visitasse sua família. Por outro lado, a morte da mãe e a saída precoce da irmã mais velha de casa, acabou trazendo para família, outros problemas adicionais. Afinal, eram sete crianças e um adulto, não havia mais mulheres, para tomar conta da casa. Para piorar, seu Issao começou a ingerir bebida alcoólica desmedidamente. Talvez, por causa do remorso, frente ao erro cometido, quando do matrimônio da filha.Aparentemente, Prenunciando uma situação caótica para aquelas pobres crianças.

No entanto, aquele homem desorientado, que bebia após a labuta diária, tinha uma qualidade importante que era a incansável capacidade de trabalho e facilidade em fazer amigos. Logo, nem tudo estava perdido para aquela família. Os três filhos mais velhos estavam na hora de estudar, mas a escola distava de sua casa mais de 8 Km. A vinda de toda família para a cidade, naquele momento, era impossível. Então, seu Issao levou dois de seus filhos para morar na casa de um conhecido, dono de uma farmácia na cidade. As duas crianças iriam ajudar no estabelecimento do amigo para pagar a estadia, viabilizando os estudos. Como eram três na idade escolar, o mais velho ficou em casa para cuidar do restante da família, não indo para escola naquele momento. Pois, o pai passava o dia inteiro na roça trabalhando. Desse modo, esse menino, cujo nome era Hiroji, sentiu-se na obrigação de sacrificar-se em prol de seus irmãos, como manda a velha tradição japonesa.

Passou então, a cuidar de toda família: "cozinhando, lavando, limpando a casa, enfim todas as tarefas domésticas do lar". Desde cedo, mostrou-se sempre calmo e resoluto.Tinha uma personalidade marcante. Respeitado por todos, apesar de falar pouco e ter um semblante triste e distante. De vez em quando, ele e seu pai visitavam seus outros irmãos e a irmã casada. Infelizmente, as visitas á irmã foram rareando. Tal a hostilidade mostrada pelo cunhado, durante os encontros. Com o passar do tempo, Hiroji resolveu trazer sua família para cidade, afinal o restante das crianças precisavam entrar na escola. Com o dinheiro ajuntado com muito sacrifício, de anos e anos de labuta na roça, compraram uma casa na zona urbana de Uberaba, reunindo ali toda família, com exceção de sua irmã mais velha.

Portanto, Hiroji trouxe de volta para casa os dois irmãos que moravam com o farmacêutico, muito embora os meninos ainda continuassem a trabalhando na farmácia. Matriculou as outras crianças na escola. Arrumou um emprego para si, para seu pai e mesmo assim, arrumava tempo para cuidar dos afazeres domésticos. Católico fervoroso freqüentava a igreja local. Aos domingos, ajudava no serviço social da igreja: cuidava dos doentes, dando assistência a todos que precisavam dele. O tempo foi passando, seus irmãos que vieram primeiro para cidade ingressaram na universidade, um na Medicina e o outro na Odontologia, os outros resolveram seguir a carreira militar indo para S. Paulo. Hiroji, agora com trinta e poucos anos poderia pensar um pouco em si mesmo, pois sua família estava encaminhada e por sinal, muito bem encaminhada.

Ele era uma pessoa disciplinada, solidária e amorosa. Nas reuniões da Igreja destacava-se primeiramente pelo tamanho, pois era muito alto. Tinha a pele morena, rosto fino e uma simpatia contagiante. Ouvia a todos com atenção. No final das reuniões, o pensamento que prevalecia, quase sempre era o seu. Pois, a racionalidade e coerência eram atributos de sua pessoa, tornando-o o líder natural daquela comunidade. Hiroji então sentiu a necessidade de estudar: fez sub-letivo do 1º e 2º grau. Entrou na faculdade, na área de Biologia, pois tinha um sonho: o de ser professor. De sua casa até a faculdade de filosofia era uma caminhada de uns 6 km. Fazia esse percurso de bicicletas, após um dia inteiro de trabalho na mercearia onde trabalhava. Infelizmente não conseguiu concluir o curso. Pois, morreu atropelado por um carro quando voltava à noite para casa...

Caro leitor, essa história é real. Foi passada a mim por um dos protagonistas, aquele se formou em Odontologia. Evidentemente que os nomes foram mudados para evitar possíveis constrangimentos. É claro que grande parte dos atributos morais de Hiroji não foi possível ser destacado totalmente nesse humilde trabalho. Todavia, o mais importante, é que seu exemplo de vida não foi em vão, dado o sucesso posterior de seus entes queridos. Ademais, depois de 30 anos de sua morte, ainda é lembrado pelos familiares e amigos. Aí vem a pergunta: "será que a nossa vida, um dia também merecerá ser lembrada?”

João da Cruz
Enviado por João da Cruz em 24/02/2011
Reeditado em 23/12/2012
Código do texto: T2812213
Classificação de conteúdo: seguro