Vamos ou não vamos censurar Monteiro Lobato?

Vamos ou não vamos censurar Monteiro Lobato?

Imagine a cena:

Você entra numa livraria para comprar um livro infantil e lá num canto do estabelecimento está um livro lacrado com uma tarja vermelha onde se lê: Venda sob prescrição dos críticos literários. Cobrindo a capa, uma folha com a seguinte nota:

Atenção! Este livro deve ser manuseado com muito cuidado, pois sua leitura pode causar sérios danos às mentes infantis que descobrirão que nosso país tem história a ser pensada e explicada. Procure um crítico antes de efetuar a compra.

É uma cena surrealista? Talvez, mas se não estivermos atentos aos fatos se tornará realidade. Monteiro Lobato com As caçadas de Pedrinho já é o primeiro da lista. Quem mais corre esse risco?

Censurar, tirar do mercado, tirar o mérito de um escritor como Monteiro Lobato não é coisa que se faça num país que se diz democrático.

Se quisermos falar de posturas incorretas, que tal darmos uma olhada nos livros de alguns autores estrangeiros que estão em nossas livrarias? E o que se oferece na televisão, no cinema ou nos jogos de videogame?

Meus alunos visitaram a última Bienal do Livro em São Paulo. Não pude acompanhá-los. No dia seguinte, mostraram-me suas compras: A vida de Lady Gaga foi a obra que mais compraram. Fiquei indignada. Ir à Bienal, um evento fabuloso e comprar Lady Gaga? Quase tive um treco. Intrigada quis saber os motivos que os levaram àquela compra. Obtive justificativas como: “as músicas dela são legais”, “ela é muito louca” entre outras, mas uma em especial, chocou-me: “na frente do estande tinha um cara que imitava a Lady Gaga, acho que ele era gay, tia, mas estava muito engraçado! (risos) Ele dançava igualzinho a ela”. Olha o tamanho apelo de marketing!

E aí? Vamos censurar a Lady Gaga, o transformista? Quem mais? Ah é, Monteiro Lobato...

Passados alguns dias, vi um aluno lendo “O Diário de um banana” e pedi-lhe emprestado. A recomendação dele foi a de que eu iria adorar, pois o menino era “muito louco, não gostava da escola, nem do irmão”. Resolvi ler no final de semana. Fiquei pensando que estou fora de moda. Não compraria um livro desses para nenhuma criança. Agora, a obra de Greg Hefffley, já se transformou em filme. Assim, as mensagens de bullyng, falta de educação no trato com o outro não precisarão ser aprendidas ao longo da leitura, bastam os 94 minutos de exibição do filme e a criança ou pré-adolescente já receberá as informações. Recuso-me a assistir ao filme. Será que sou moralista demais? Penso que pais e professores têm que ler os livros que os filhos e alunos leem para fazer intervenções necessárias, refletir sobre a obra e até para que a criança consiga separar o que é real e o que é fantasia nas histórias.

E aí como é que fica? Vamos censurar?

Ah, mas tem o Monteiro Lobato, não é?

Sugiro ainda que assistam aos desenhos dos Simpsons, o Futurama e que tal censurar o Ben 10, Tom e Jerry? Xuxa, os Trapalhões?

O que dizer daquela série Crepúsculo, que imoralidade, não é? A mocinha do filme é insegura e bígama – ah, isso já é proibido pela lei brasileira. E foi um sucesso de bilheteria! Como fazer para censurar? Se fosse brasileiro...

Jorge Amado, com Capitães de areia ou José Mauro de Vasconcelos com Meu pé de laranja lima. Vamos censurar?

Pois é, a lista está aumentando! Olha que ainda podemos engrossá-la. Mas a questão é: Vamos ou não vamos censurar o tal Monteiro Lobato?

Bom, analisemos. Essa deve ser sempre a postura antes de bater o martelo e dar o veredicto.

Vamos aos fatos: Quem é esse tal Monteiro Lobato? Um menino que nasceu na cidade de Taubaté, Vale do Paraíba, no ano de 1882, filho e neto de fazendeiros produtores de café. José Renato escrevia suas histórias e lia tudo que tinha pela frente. Influenciado pelo avô, o Visconde de Tremembé, formou-se em Direito. Ocupou o cargo de promotor na cidade de Areias, SP. Mais tarde resolveu dedicar-se à fazenda herdada do avô. Algum tempo depois foi para São Paulo fundar a primeira editora nacional. Foi nomeado adido comercial nos Estados Unidos.

Sempre preocupado com a economia do Brasil fez um movimento sobre a exploração de petróleo no país, chegando a ser preso por sua insolência ao afrontar a política do Estado Novo. Queria privatizar a exploração do petróleo. Acabou sem dinheiro e doente, mas sua ideia ficou... Já leram o Poço do Visconde? Se não, leiam. Talvez haja algo a censurar...

Bom, voltemos um pouquinho: a escravidão no Brasil foi extinta em 1888, através da Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel. Monteiro Lobato tinha nessa época, seis anos. Sua educação foi baseada na rigidez de uma família que seguia os padrões de uma aristocracia européia. O Brasil ainda era monarquia. Dom Pedro II, o imperador, enfrentava a insatisfação dos cafeicultores do Vale do Paraíba por causa da grande perda que tiveram de amargar com o plantio incorreto do café que gerou o empobrecimento do solo e com a libertação dos escravos que eram considerados bens a serem vendidos. Ainda existia a pressão de outras camadas sociais que já mostravam insatisfação com o governo.

O Brasil foi o último país do mundo a acabar com a escravidão, porém não deu qualquer sinal de possibilidade de uma vida digna a essas pessoas que até o dia 13 de maio eram consideradas, por alguns, menos dignos que os animais domésticos. Imaginem que a própria Igreja pregava que esses “pretos” não tinham alma... Ih, escrevi “pretos”, estou sendo racista? É melhor trocar... Vejamos: negros? Não. Na linguagem que os críticos lobateanos desejam: a própria Igreja pregava que os africanos... e agora? Também é preconceito? Nem todos africanos tem grande acúmulo de melanina em seus corpos e alguns são, ah, Jesus, vou escrever... brancos. Talvez seja melhor o termo afrodescendentes, mas a meu ver não satisfaz para contar a história da escravidão no Brasil. Não havia naquele momento histórico a força dos movimentos de conscientização quanto à igualdade entre raças que temos hoje. Puxa, ocorreu-me que junto à censura pretendida a Lobato, poderíamos censurar os livros de História que contam páginas de fatos vergonhosos de nossa história. Laurentino Gomes que se cuide, relacionando fatos...

E os livros de Filosofia? Que tal censurarmos Aristóteles? Ele julgava a escravidão necessária. E Platão que defendia a divisão de classes na sociedade?

Não. O foco pretendido é Lobato. O mesmo que encantou muitas gerações com as histórias da Turma do Sítio _ essa virou seriado da Globo e mesmo que tenha a mula sem cabeça e o saci, dá pra aguentar, afinal fazem parte do folclore... Isso! O que é inventado, fruto da imaginação, pode ser divulgado e o que realmente caracteriza a educação que o autor recebeu e o momento histórico que viveu, não pode, é isso?

Usar o argumento de que o linguajar usado na obra é racista, desculpem-me é uma grande bobagem. Essa linguagem era permitida levando em consideração que não existia qualquer lei que proibisse tal abordagem. Voltem no tempo. Lobato era parte da classe social dominante, um burguês. Como vocês queriam que ele escrevesse? Uma pessoa que nasceu e se criou numa região cafeeira, onde o negro era considerado mercadoria... Isso é vergonhoso, sim, mas é verdade. O nosso país se construiu em grande parte graças à força dos escravos. Esse é o nosso país. Onde há muitas injustiças sociais, entre elas a de negar ao cidadão o direito de conhecer a sua história. Vamos acobertar a história, ou vamos encará-la e reconhecer que muitos erros foram cometidos? O que importa é que fomos e somos capazes de evoluir. E evoluir implica em analisar, refletir sobre o passado para não cometermos os mesmos erros no futuro.

Não defendo a escravidão nem o racismo ou qualquer tipo de discriminação, nem tampouco a hipocrisia. Justamente por isso não posso concordar com a censura da obra ou sua restrição. O que devemos usar com restrição são os medicamentos. Livros são a cura para nossas dores, alimentam nossa alma, possibilitam que viajemos a momentos e lugares através dos olhos e escrita do autor. É promotor de cultura. Nunca deveriam ser maltratados, abandonados e muito menos censurados...

Bom, senhores críticos, não serei eu a pessoa a convencê-los, afinal vocês são os doutores e em nome de seu poder farão o que desejarem. Só posso dizer-lhes que não aceito a censura, nem tampouco a falta de respeito que o senhor Antonio Gomes da Costa Neto, mestrando da UnB, demonstrou com o professorado, julgando-o incapaz de discernimento:

“Os professores, no dia a dia, não têm o preparo teórico para trabalhar com esse tipo de livro. Então, não é que ele deva ser proibido. O que não é recomendado é a sua utilização dentro de escola pública ou privada.” Os professores também serão censurados? Como ele conseguiu chegar ao mestrado se não há professor preparado? É autodidata? Já assistimos a esse filme.

Cuidado, nobre mestrando. Não faça afirmações tão contundentes. Tenha sempre o benefício da dúvida. Talvez você não saiba, mas a dúvida é extremamente salutar. Bom, certamente, você está desenvolvendo sua tese e se ainda não se deparou com ela, a dúvida, esteja preparado.

Quantos professores foram ouvidos ou testados para essa afirmação?

Acredito que há muitos professores capazes de perceber sinais de preconceito, racismo e outras situações em obras literárias, que leem de modo crítico-reflexivo. Talvez, por isso, nunca tenham achado absurda a obra de Lobato. Mas caso não acreditem nisso, sugiro que criem um espaço na internet, nas revistas, visitem escolas para a discussão desses assuntos polêmicos. Ouçam as opiniões daqueles que enfrentam a sala de aula diariamente. Será um trabalho de grande ajuda para todos da área educacional, principalmente se vocês não cobrarem. Tentem uma ajuda dos órgãos governamentais que vocês têm acesso. Ajudem a formar o leitor crítico que desejam. Preparem as pessoas, eduquem-nas. Afinal, “um país se constrói com homens e livros”. Mas se tudo que escrevi até aqui com certo sarcasmo e até, em certa dose, politicamente incorreto, não for suficiente para declinarem de seu propósito, por favor, quando decidirem fazer a fogueira, avisem com antecedência, nem que seja um pequeno sinal. Estarei atenta, pois vou enterrar num baú as obras de todos os meus queridos escritores... O mapa ficará em segredo até ser revelado para meus netos e bisnetos...

Regina Roppa Evilasio

Professora.

Regina Roppa
Enviado por Regina Roppa em 24/02/2011
Código do texto: T2812281
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