Era tudo alegria

Quando criança, na minha casa, nunca vi nenhum de nós comemorar aniversario. Naquele tempo isto era “frescura”. E para que comemorar aniversario? A minha casa era uma comemoração. Meus pais, meus irmãos, a minha família celebrava a vida, que era um doce encantamento. O nosso banquete era a alegria de estarmos com saúde e todo mundo, juntos.

Mas quando chegava dezembro, uma vizinha nossa que morava na rua da olaria fazia anos, e justamente no mesmo dia que eu. Gostava muito de mim, e comemorava em grande estilo. Comemorava, mais por causa do meu aniversario. Eu era o motivo da comemoração.

Naquela semana eu chamava meus amigos que a gente só tem na primeira infância. Cada um montava no seu “cavalo de pau”, e íamos pelas matas adentro em busca de uma labiata maravilhosa para dar de presente de aniversario para a nossa amiga querida.

Pendurava o escapulário no pescoço com a medalhinha de Nossa Senhora das Graças que minha mãe me deu, colocava no embornal o binóculo alemão da segunda guerra, do meu tio, para enxergar longe, o canivete corneta e muito barbante. O isqueiro “vospic” ia na algibeira; se precisasse acender era com o meu isqueiro vospic que vovô me deu.

Estava pronto. Meus amigos também. Metia uma varada no meu cavalo de pau, subia pela “gruta da Rosinha” e ia varar no ‘cascalho’, no meio dos córregos onde tinha muita umidade e as belas labiatas.

Era como a mamãe chamava as orquídeas.

Em cima das arvores a macacada fazia a festa. Balançando nos cipós, uma gritaria danada, que misturava com o grito dos periquitos e de centenas de outros pássaros, pica pau de toda cor e o macuco. Até jaó tinha.

Nunca entendi porque tanta gritaria. Acho que ficavam felizes pela nossa presença pacifica, e por sermos um grupo de crianças inocentes que não queriam o mal. É que as criaturas da floresta conhecem as pessoas do bem, do mal também.

De vez em quando a “surucucu” arrancava a batata da perna do caçador que ia incomodar. Com a nossa turma era tudo alegria.

Regulava o binóculo e olhava para a “grimpa” das arvores. Saia caçando a labiata com o olhar do binóculo alemão, e sempre encontrava o que procurava. Tinham muitas, cada uma mais bela que a outra. Difícil era chegar lá onde elas costumavam ficar, é que

as belas orquídeas, talvez por instinto de preservação, florescem nos lugares mais difíceis, bem na grimpinha da arvore, ou no galho que já começa a apodrecer.

Cuidadosamente, nós subíamos nas arvores, e com muito carinho, (eu pedia que fosse assim), era retirada a labiata, delicadamente para não machucar as flores novas, e as que desabrochavam. Descia amarrada no barbante para não machucar nenhuma pétala.

Na volta para casa, eu colocava o meu cavalo de pau debaixo do braço, e vinha a pé carregando as labiatas. Meus amigos também.

Era tudo alegria.

A mais bonita eu punha no vaso de barro, e colocava dentro, fibra de casca de coco envelhecida, no maior capricho. As outras, eu pendurava nos pés de laranjeira, ajudado pela minha mãe que adorava flores. Amava as rosas vermelhas, infinitamente.

No dia l5 pela manhã eu levava o meu presente: o vaso com a labiata florida, majestosa. Nossa vizinha ficava encantadissima. Chegava a chorar de tanta alegria, e era um prazer estar naquela casa simples e acolhedora: O jardim era riquíssimo, uma profusão de flores; begônias, bromélias, beijos, rosas de todas as cores e orquídeas, e que perfume maravilhoso! A minha flor ia enriquecer ainda mais aquele lugar. Naquele lar sentia-se a presença de Deus.

Á noite, mamãe levava vinho de laranja, canelinha, pasteis e balas que ela fazia para a criançada. E a alegria, a amizade e o encanto dos belos sentimentos, era que fazia o sucesso da festinha de aniversario da nossa vizinha da rua da olaria, e do meu.

Era uma noite muito abençoada. Só tinha alegria.

Dedicado ao mais belo dos seres,Que amava as rosas vermelhas, infinitamente.