Falando de Carnaval

O carnaval se aproxima e quem viveu como eu a fase de ouro do carnaval, irá sempre se lembrar do tempo de adolescente e da mocidade, dos desfiles dos blocos, das escolas de sambas e dos cordões.

Aqui em Campinas tinha desfiles nas Ruas Francisco Glicério, Sales de Oliveira (na Vila Industrial) e Governador Pedro de Toledo (no Bonfim), e em todos os Clubes de Campinas haviam bailes carnavalescos.

Quando eu era muito criança, ai por volta de 1942, íamos (meus pais e meu irmão) apreciar o carnaval na Rua Andrade Neves, talvez o melhor carnaval de rua de Campinas.

Havia muitas fantasias, e as moças de famílias abastadas faziam, o que se chama de “Corso”, ou seja, vinham várias moças, num carro sem capota, cantando e atirando confetes nas pessoas que estavam nas calçadas. As moças vinham vestidas iguais, muito bonitas, com suas calças compridas e blusas de cetim azuis, verdes ou amarelas. Devo acrescentar que, na época, calça comprida para mulheres, só no carnaval, como fantasia.

A minha memória, ainda funcionando regularmente, foi buscar no carnaval de 1942 o sucesso “A Mulher do Leiteiro”, composição de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, na voz da grande Araci de Almeida. Naquele tempo tudo era tema para uma música.

O leite era entregue em casa, diariamente, em um litro de vidro, por um leiteiro, por voltas das 5 ou 6 horas da manhã. Daí a marchinha:

Todo mundo diz que sofre

Sofre, sofre neste mundo

Mas a mulher do Leiteiro sofre mais

Ela passa, lava e cose

E controla a freguesia

E ainda lava garrafa vazia

E o leiteiro, coitado

Não conhece feriado

Se encontra satisfeito

Toda noite no sereno

E a mulher dele

Que trabalha até demais

Diz que tudo o que ela faz

Ainda é café pequeno

Café pequeno era uma expressão atribuída a coisa de pouca importância.

E para não ficar só no leiteiro, J. Piedade, N. Bruni, e Germano Augusto fizeram “Mulher do Padeiro”, também de 1942, cantada por Joel e Gaúcho. Joel viria a ter carreira solo como Joel de Almeida. Vale acrescentar, que na época os pães eram entregues nas casas, por um padeiro, entre as 5 e as 6 horas da manhã. A carroça do padeiro, que era feita de folhas próprias para transportar os pães, vinha lotada até a tampa de pães, higienicamente bem acomodados, como era feito com o leite.

Daí para criar a “Mulher do Padeiro” foi um passo:

A mulher do padeiro

Trabalhava noite e dia

Ê ê ê ê…

Ê ê ê ê ê ê ê…

E viajava só no Bonde de Alegria

Cantava e pulava

E o padeiro não sabia (bis)

O padeiro zangado

Deixou de fazer pão

Não atendeu mais a sua freguesia

Deu tanto pinote, fez tanto fricote

Pra ser fiscal lá no Bonde de Alegria

Em 1947, a dupla Haroldo Lobo e Geraldo Gomes criou a marcha “Odalisca”, que ficou famosa na voz de Nelson Gonçalves:

Vem, odalisca, pro meu harém!

Vem, vem, vem!

Faço o que você quiser

Pelas barbas de Maomé

Não olho mais

Pra outra mulher! (bis)

Que o grande Alá

Guarde bem você,

Ó jóia oriental!

Juro, se eu lhe perder,

Não brinco esse Carnaval!

Em 1952, outra famosa marcha de carnaval: “Confete” que foi composta por David Nasser e Jota Junior e interpretada por Francisco Alves:

Confete

Pedacinho colorido de saudade

Ai, ai, ai, ai,

Ao te ver na fantasia que usei

Confete

Confesso que chorei

Chorei porque lembrei

Do carnaval que passou

Daquela Colombina que comigo

Brincou

Ai, ai, confete

Confesso o amor que se acabou

Em 1946, “O Cordão dos Puxa-sacos” marcha composta por Eratóstenes Frazão e Roberto Martins. Cantada pelos Anjos do Inferno :

Lá vem / O cordão dos puxa-saco

Dando viva aos seus maiorais (bis)

Quem está na frente é passado para trás

E o cordão dos puxa-saco / Cada vez aumenta mais (bis)

Vossa Excelência / Vossa Eminência

Quanta referência nos cordões eleitorais !

Mas se o “Doutor” cai do galho e vai pro chão

A turma logo evolui de opinião

E o cordão dos puxa-saco cada vez aumenta mais

Entretanto, falando do carnaval de hoje, não podemos fazer comparações. São outros tempos. Atualmente as Escolas de Samba fazem suas músicas para os desfiles, sempre com temas diferentes e com letras muito longas de modo que o público não chega a decorar a música.

As cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo estão muitas vezes maiores do que eram nas décadas de 1940 e 1950, mas as Escolas de samba têm, em suas fileiras, compositores consagrados.

Vamos ter saudades dos outros carnavais, e vamos aplaudir o carnaval de hoje. O mundo caminha para frente e não podemos ficar parados.

Laércio
Enviado por Laércio em 26/02/2011
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