As sementes do coração no chão do mundo.

Decidira então, ela, que deveria cultivar rosas. Poliantas – pois haveriam de florir generosamente, pelo ano todo, o jardim lá de casa. Certificou-se dos cuidados que deveria empreender para o cultivo de seu sonho florido.

Brotaram viçosas e, em pouco tempo, produziram-se vistosos cachos carmins. A satisfação da contemplação não durou mais que um ciclo de floração. Apareceram as formigas cortadeiras e que, por sua natureza, desfolhearam todo aquele jardim. Minha mãe bem que tentou combatê-las, mas soube-se que elas nidificavam num quintal vizinho, onde morava uma gente de muros altos... Então fora um jardim de notáveis rosas, que se reduziu a um solitário tinhorão.

Já bem distante no tempo e espaço, daquele frustrado jardim, fui assistir à

X-Man 2. Tive uma opinião e um sentimento sobre o filme: era fantástico. Bem, não manguem de mim, é que como os mutantes do professor Xavier , sempre achei que compartilhar o mundo, nunca fora um dos atos mais nobres da humanidade. E a galopes veio-me a comprovação. Saindo da sessão de cinema e ao tirar o carro do estacionamento, trisquei numa moto, que colada entre os dois carros, veio a cair e a tocar o guidão no carro estacionado à frente. Nada de mais no veículo da frente: uma mácula do atrito da borracha do câmbio da motocicleta na pintura branca e um um amassado, que para saber, era preciso passar o dedo mindinho, porque não vinha aos olhos. Mas o dono do carro, aos berros, pediu que eu saísse do carro. Xingou-me até exaurir o seu torpe repertório. Era de crer que eu até havia esbofeteado a mãe dele. Bem, ocorreu-me de plantar as minhas impressões digitais naquela cara larga. Mas os que me conhecessem e falam comigo, sabem bem que não combina comigo. Na verdade não combina com nada. Então não me medi por aquele “playboyzinho” e combinei que lhe pagaria o que quer que fosse para que o seu “novíssimo carro” continuasse a seu contento. Veio a conta e soube depois que o rapaz havia incluindo também um outro serviço, que não fora fruto do incidente, na minha despesa. Não reclamei, era pouco mais que uma ninharia.

Um amigo – que a todos dizia “ sou

tricolor de coração, sou do clube tantas vezes campeão”, numa época em que o Flu nem era tão freguês como é hoje do Vasco, zangou-se comigo (e juro que não me lembro mais o porquê), mas tenho certeza que ele tinha boas razões. Deixou de falar comigo. Guardei o quinhão de apresso que lhe tinha. Nunca poderia me esquecer de sua generosidade (eu sem grana e ele mais coração do que tricolor, conseguira todos os livros que eu necessitava para a faculdade).

Falei-lhes isso tudo, pois é conveniente dizer que viver é difícil. Mas difícil mesmo é viver apenas um dia.

Minha mãe, não desistiu de seu jardim. Agora ela tem uma plantação de

bougainvilles, que inclusive ajudei a plantar, que já flora a uma altura que pode ser visto pelos vizinhos de muros altos.

Pasmem! Nunca de fato desejei o mal ao rapaz do novíssimo carro branco da sessão de cinema, mas num passeio por uma tarde de sábado, vi-o colidir seu precioso veículo na trasseira dura do ônibus da

Joana D’Arc. Foi um estrago. Como fui o primeiro a chegar ao acidente, notei o seu desespero ao falar ao celular não sei com quem. Não me senti vingado pelo destino, não senti nada: nem alegria, nem tristeza. Só vi que a vida é maior do que a gente.

Semana passada, e passados anos, meu amigo tricolor estava a passear com uma criança loira pelas mãos. Eu sabia tratar-se de sua filha. Mas engoli o meu orgulho a seco e perguntei (à moda de quando trocávamos confidências em que ele dizia que eu engolira um dicionário): Luka, essa menininha linda é seu rebento? Ele feliz e com seu perene humor disse que sim. E que ela “rebentava” com seu orçamento. Então éramos amigos de novo. E muito pouco mudou. Só o Fluminense que agora é

um freguês de Carteirinha do Vasco!

Viver não é tão ruim. Ruim é viver um dia só.

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Joel Rogerio

Joel Rogerio
Enviado por Joel Rogerio em 04/11/2006
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