O DIA QUE ELE SE FOI

O sol já havia iluminado meu quarto naquela manhã um pouco fria, do primeiro dia do mês de junho.Mesmo assim, o corpo não queria sair do aconchego que a cama oferecia.Talvez pelo cansaço da noite anterior. Meu pai havia passado mal, e como que "rotina", a Jôze e eu o levamos ao médico.Naquela humilhação de atendimento público.

Retornamos com ele praticamente sem atendimento.Ele, sentindo muitas dores, só conseguiu dormir as 3 da manhã, horário este que retornei a minha casa, por pedido dele também..."Vai filha, vc tem sua casa, seu marido e sua filha esperando por vc.O pai já vai dormir..."

Sendo assim, o sol por mais brilhante que se apresentasse naquela manhã, não me dava forças para abrir a janela e começar um novo dia.

Mas, um telefonema de meu pai me fez levantar.Até com raiva pq queria era dormir, mas fui ver o que ele gostaria que eu fosse comprar.

Ao chegar, notei que ele estava com a respiração cansada, ofegante, ainda disse a ele, deve ser por causa de tanto remédio que vc tomou, pai...

Qdo retornei, ele estava pior, e ainda se queixava de fortes dores nas costas.Pediu para levá-lo ao médico, pois ele achava que iria morrer ali mesmo....

Eu ainda brinquei, disse que ele não precisava apelar que eu,o levaria para dar um "voltinha" de carro.Ele sorriu e disse, "não, estou mal mesmo..."

No posto de saúde o atendimento foi imediato.Recordo que a médica pediu para todos sairem da sala, eu fiquei por que estava segurando a máscara de oxigênio.Tentando amenizar e não acreditar na situação, eu disse "Pai, até a Caca faz inalação sem eu precisar segurar..."E ele sorriu...

Ele seguiu de ambulância para o hospital, eu o acompanhei com meu esposo e minha filha no carro logo atras.Já na Avenida São Paulo encontramos a Jôze, que passou a seguir também.

Já no hospital, os procedimentos de emergência começaram.

Ficamos na porta, a Jôze e eu, vendo tudo.Ele dizia a todo tempo, "estou morrendo", e nós tentando mantê-lo calmo.

Ele não parava na cama, parecia querer lutar contra seu destino.Entrei no quarto e comecei a segurar novamente a máscara de oxigênio.

Beijei sua testa, segurei sua mão e disse "fique calmo pai, eu estou aqui e não vou sair...Eles vão lhe transferir para um quarto para melhor atender vc..."

Lágrimas começaram a correr de seu rosto avermelhado pela falta de ar, ele apertou minha mão e disse "Te amo filha, mas não vai dar mais..."

Não sei de onde me veio tanta força naquele momento para ainda poder brincar e dizer, "Eu também te amo muito pai, e nada vai acontecer com vc, afinal vc prometeu que nunca iria me deixar, sempre estaria no meu pé, lembra?

Ele sorriu, apertou bem forte a minha mão, chamou pelas minhas irmãs.A Jôze tb passou a segurar a outra mão dele e, permanecemos ali, uma de cada lado, até que os médicos pediram para sairmos, afim de fazerem novos exames.

Fui até meu carro ver minha filha e ainda disse ao meu marido, ele vai precisar ficar, fiz até sua internação para a UTI, pra fazerem mais exames...

Quando voltei, a médica estava saindo do quarto e perguntou quem estava acompanhando o SR José, nós respondemos imediatamente.

Então, quase que sem piedade aparente ela nos deu a noticia.."Fiz o possivel, mas o Sr José Manuel não respondeu ao atendimento e acaba de falecer..."

Nesse momento eu não sei onde estava o chão pois, sob os meus pés ele não estava mais.

Minha irmã desmaiou, foi preciso acudi-la, eu porém pedi a médica para vê-lo, afinal, impossivel ele ter falecido, ele havia prometido ficar comigo.

Entrei e vi ele, meu pai, meu herói, meu melhor amigo, ali imóvel, com a camisa rasgada e uma lágrima escorrendo em seu rosto.

Recordo que dei vários "socos" em seu peito pedindo, implorando para que ele voltasse.Disse ainda, "Você prometeu que nunca ia me deixar, pai volta pelo amor de Deus..."

Fui retirada de lá pela mãe dizendo, venha não adianta mais..."

As minhas palavras se calaram ali...Não chorei...O impacto forte secou as minhas lágrimas e congelou meus pensamentos...

Fiz algumas ligações até que..."minha ficha caiu"...Meu pai, meu tudo, estava morto...

Durante a madrugada, intensamente fria, eu olhava para ele ali, imóvel, com semblante de quem finalmente estava descansando de um trabalho arduo de anos sem folga.De tantas dores e decepções que a vida havia lhe oferecido...

Passei a mão em sua testa, toquei suas mãos, beijei seu rosto e, dessa vez eu não ouvi, "Deus te abençoe filha..."

Um filme doloroso e saudoso passou pela minha cabeça...E junto dessas imagens criadas em minha mente, vieram inumeras perguntas...

O que fazer sem aquele homem que me colocava na garupa de sua bicicleta pra dar voltas nas ruas de terra, do bairro onde moravámos?

Que fez um carrinho de madeira só para empurrar minha irmã e eu?

Que brincava de esconde esconde, futebol e carrinho de rolemã?

O que fazer sem aquele pai enérgico e ciumento da minha adolescência?

Sem aquele pai que muitas vezes me tirava da rua, dos amigos, para ir ajudá-lo na padaria.Que eu morria de raiva e ele sempre dizendo "um dia vc vai me entender e dar valor no que faço agora..."

Como ficar sem aquele pai do mesmo gosto musical.Das conversas, das cervejas e dos passeios, não apenas de pai e filha, mas de amigos.

Como seguir em frente na vida, sem aquele pai que antes de me levar ao altar deu voltas e voltas com o carro, dizendo "filha vc não precisa casar, festa e cerimonia se encerra, um casamento não.Vc pode se casar, mas nunca esqueça que vc tem um pai, e que se precisar voltar estarei sempre te esperando..."

Esperando onde?

Pai vc me enganou?Ou a vida nos enganou?

Pq, a terra que sepultou seu corpo, sepultou também meu coração.

Sepultou aquele abraço protetor que me fazia esquecer da vida, me trazia segurança.Que tinha um cheiro de pão, com sabor de amor fraterno...

A terra que lhe cobriu deixou exposta em mim uma ferida que nunca será cicatrizada, pq eu jamais vou lhe esquecer.

Eu continuo aqui, com a minha familia linda que Deus me presenteou, mas vc está aqui dentro do meu coração, num espaço só seu.Único, eterno.

Acredito que um dia nos encontraremos e então, poderei matar a saudade, sentir novamente seu abraço e lhe dizer..."Véio, vc me fez muita falta..."

Te amo eternamente...Obrigado por tudo...

Viviane Alves
Enviado por Viviane Alves em 02/03/2011
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