A DECADÊNCIA HUMANA

Quem luta com monstros deve velar por que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti.

(Friedrich Nietzsche)

As circunstâncias mundanas impelem os indivíduos a tomar decisões cujos efeitos podem ser negativos ou positivos. Daí, a análise fria da realidade nos orienta no sentido de buscar o caminho mais humano, enfim mais ético. A regra básica é não fazer aos outros, aquilo que não gostaríamos que nos fizessem. Ou, procurar sempre nos colocar no lugar de quem recebe a nossa ação.

O “causo” que vamos narrar hoje é sobre as atitudes e comportamentos de algumas pessoas que, salvo melhor juízo, demonstrarão claramente a decadente condição humana. Os fatos ocorreram em minha cidade, durante a minha infância, mais precisamente na década de 60. Na ocasião, estudava eu em uma escola pública próxima á minha casa. Éramos 40 adolescentes, cursando o primeiro ano do ginásio. Entre as alunas, havia uma que se destacava pela beleza e também por ser uma das mais velhas da turma, tinha uns 15 anos, sendo a maior da turma. Nossa história é justamente sobre essa menina, que durante o ginásio freqüentou aquele educandário escolar.

Nunca conversei com ela, naquela época as meninas sentavam de um lado e os meninos de outro. No recreio, continuava a separação, visto as brincadeiras serem diferentes para ambos os sexos. Percebia-se que ela era alegre e brincalhona. Tinha cabelos compridos, castanhos e ondulados. As sobrancelhas eram largas e fartas, situadas acima de dois olhos castanhos grandes e atentos. Na boca, viam-se dentes alvos e bonitos, os lábios eram carnudos e bem desenhados. Os lados da face eram simétricos e graciosamente separados por um lindo nariz fino e proporcional. Um pescoço longo terminando na região torácica, onde dois seios pequenos e empinados comprimiam o uniforme escolar. O ventre era liso e não mostrava sinal de gordura. A cintura era fina e as coxas grossas compunham um corpo perfeito. Cuja proporcionalidade e simetria encantavam todos que olhavam para aquela adolescente.

Um fato pitoresco era observado no horário da entrada. Uma limousine preta parava na porta da escola dirigida por um motorista de uniforme. Maria das Dores, era esse seu nome, descia do luxuoso carro, observada atentamente por um senhor de idade avançada sentado no banco traseiro. Novamente, à tarde o ritual se repetia. Ora, era uma escola de gente pobre, um carro chique daqueles, não deixava de chamar atenção. As outras meninas, curiosamente perguntavam sobre o carro e o senhor no banco de trás. Ela prontamente respondia que o carro era de seu pai: aquele homem sentado no banco do carro.

Na realidade, não era seu pai, ela era concubina daquele senhor.

Tal relação iniciou-se quando aquele milionário de nome Barreto descobriu-a em um dos prostíbulos mais freqüentados da cidade. Tinha na ocasião, 13 anos de idade, sendo deixada pela madrasta na zona do meretrício. Isso se deu em decorrência da menina ter sido seduzida e desvirginada precocemente por um “filhinho de papai”. Nesses casos, a expulsão da moça “perdida” para fora de casa era tolerada pela sociedade hipócrita da época. Entretanto, tratava-se de uma pobre criança, mesmo naquele tempo, tal atitude era considerada uma monstruosidade. Porém, ninguém intercedeu em favor da menor. Como Barreto era freqüentador do lugar gostou da menina e resolveu levá-la para sua casa, sem antes deixar uma grande quantia em dinheiro para a dona da casa e para a madrasta.

Barreto apesar de viver sozinho, até aquela data, tinha uma família numerosa. Seus filhos todos casados viviam com suas próprias famílias. Quando fez 50 anos, já viúvo, passou toda a sua fortuna conseguida para os filhos. Posteriormente, foi sozinho para outra cidade, conseguindo enriquecer novamente, voltando depois. Naquele momento, ter uma jovem em casa chamou a atenção da alta sociedade e principalmente de seus familiares. Ademais, Barreto resolveu adotá-la como filha, gerando um mal estar na família. Contudo, não reclamaram, mesmo porque, já tinham recebido antecipadamente sua herança. Anos mais tarde, o velho veio a falecer deixando uma grande fortuna para Maria Das Dores. Ela nunca foi aceita pela sociedade local, acabando casada com um rapaz de outra cidade que não tinha conhecimento dos fatos. Ele viera estudar aqui em nossa cidade e depois de formado voltou para sua terra, levando-a consigo.

Acontecimentos semelhantes a esse, ainda acontecem em nosso país. Cujo desfecho, na maioria das vezes, é muito pior. Todavia, o trauma vivenciado por aquela garota: violentada, jogada em uma casa de prostituição e posteriormente comprada por um velho promiscuo. Certamente deixou marcas profundas em sua personalidade. Infelizmente, muitas pessoas “de bem” justificam a atitude de Barreto, tendo em vista, tê-la recompensado no final. Obviamente que a ética e os bons costumes abominam a conduta desse senhor e também, as atitudes de todas aquelas outras pessoas que compactuaram com essa situação.

João da Cruz
Enviado por João da Cruz em 02/03/2011
Reeditado em 05/03/2012
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