CULPADO É O NARCISO!

CULPADO É O NARCISO

A galera dos sessentões certamente irá lembrar algumas destas marcas,famosas na década de sessenta:

Camisas “Lunfor”,exclusividade das Casas Pernambucanas.

Sapatos “Passo Doble”,um luxo!

Calças de tergal “Santista”.O comercial de TV já dizia sobre as tais:”Senta,levanta...Levanta e senta...E elas não amarrotam,nem perdem o vinco”.

Reminiscências à parte,vamos ao relato:

Semana da Pátria.Como todo bom (?) aluno do Colégio São Vicente de Paulo em Irati, integrava eu ,um dos pelotões a desfilar sobre o asfalto da avenida principal no dia da independência. Tomava esta decisão logo após o amistoso convite feito pela direção do colégio que numa forma " amplamente democrática" ,sutilmente, assim nos contactava:

“Todos deverão comparecer ao desfile de 7 de setembro.Ausências não justificadas serão punidas com os rigores do regulamento,podendo variar de algumas exigências leves ,como cópias manuscritas de uma centena de um mesmo texto,execução do hino nacional brasileiro,em alto e bom tom,em posição de sentido,tendo como platéia a turma da sala de aula à que pertence até algumas de caráter um pouco mais extremado (Leia-se : suspensão por alguns dias,sem direito à participar de testes ou provas que valiam notas)". Assim,livres e expontâneos,participávamos em massa das paradas.

Devidamente uniformizados ,com aquêle aparato acima citado,meus amigos e eu,estávamos à caminho do colégio para mais um dêstes desfiles.As “becas” novíssimas.Era preciso fazer bonito na avenida como forma de demonstrar para as meninas do Colégio Nossa Senhora das Graças a nossa superioridade.Éramos sempre o primeiro lugar em todos os quesitos,fato que só ocorria graças ao Seminário Santa Maria ser considerado “our concour”,dado à disciplina e a organização dos futuros candidatos à sacerdote.

Saímos de casa logo pela manhã,olhando “impressionados” aos bicos dos passos dobles novíssimos,calças vincadas,camisas brancas (Lunfor,aquelas!),gravata azul marinho...Cabelos besuntados de glostora...Uns “bundinhas”,como nos chamavam outros meninos não muito chegados à colégios e coisas do gênero.

Não satisfeitos com tanto “charme”,decidimos dar uma incrementada ao conjunto.

Alguém sugeriu:

-Que tal um... “perfumesinho”?

Sugestão aceita , adentramos ao melhor dos armazéns da vila em que morávamos.

O proprietário,nos atendeu. Ao saber de nossas pretensões encaminhou-nos à sua esposa que segundo ele “era quem entendia destas frescuras”.

Gentilmente nos foi apresentada uma cartela contendo uma série de pequenas ampolas,com frascos sugestivos.A marca era :”Beija Flor”. A frase de efeito : "Do Rio para o mundo!"

Os aromas ,todos florais,seguiam-se presos a um pequeno elástico:”Jasmim,Bouquet,Magnólia,Violeta,Acácia,e...Narciso”.

Optamos por “Narciso”.O nome sugeria algo másculo,seria então,o nosso toque pessoal.

Saímos pela rua nos perfumando.Alguns com uma certa parcimônia.Porém,como todo gordo tem a fama de exagerado,e já naquela época detinha eu as duas “qualidades”,entornei o que restara no frasco sobre a gravata azul.

Senti em meu peito o friozinho da delicada fragrância floral da ampola.

A gravata , apertada à camisa por uma presilha,pareceu-me então de um azul mais intenso e , a partir daí, era eu um jardim ambulante à caminho da avenida.

No pelotão ,calado,tive de ouvir as justas manifestações de protesto dos alérgicos à tão exótico jardim.Pelo sim,pelo não,acabado o desfile retornávamos à casa quando resolvi livrar-me da gravata.Assim que a retirei,vi a cara de espanto de um de meus amigos que apontando pra mim foi dizendo:

-Ih!...Deu-se a desgraça!...Olha só a tua camisa!...

A visão foi estarrecedora.A “Lunfor”,branca,novinha,havia ganho o desenho de uma gravata azul,cheirosa e tingida ao álcool do produto que viera "do Rio para o mundo!".

Nada a fazer ou a lamentar-se.Chorar sobre o leite derramado de nada adiantaria.

O recurso seria enfrentar o que viria pela frente.

Chegamos em casa.Dona Hilda,minha mãe,possessa vem tirar satisfações:

-O que é isto em sua camisa nova,rapazzz?!

Em côro lhe respondemos:

-A culpa é do Narciso!

Ao que ,indignada,ela complementa:

-E quem é esse tal Narciso de quem nunca ouvi falar?