A Oportunidade bate à sua porta

Sábado, o namorado de Lica desapareceu, sumiu, se escafedeu...

Aborrecida, ela chorou. Chorou, assoou o nariz, pensou um pouquinho e decidiu que não ia ficar em casa, porque “a fila anda, mano...”

Banho tomado, baterias recarregadas, a advogada ligou para a amiga Cacá – que há muito andava com o carter seco – e, juntas, decidiram ir para a balada. “Hoje, ninguém segura essas periguetes”, planejaram.

Teimosia. As meninas se empetacaram e saíram para a caça. As caras mostravam uma alegria que não estava nos corações.

Primeira parada: Pecado da Gula. Ali, uns poucos casais tomavam chope. “Vamos levantar acampamento, Cacá.”

Segunda parada: Pizzaria Trevo. A música sertaneja misturava-se ao estridente rock vindo do piso superior. Um dente-de-leite arriscou um sorriso para as balzaquianas. “Aqui num tá com nada, Lica. Num tô a fim de encarar processo de pedofilia...”

Terceira Parada: Orla Taumanan. Lotada. Apesar de muita gente, Lica e Cacá não encontraram ninguém interessante para lhes preencher a noite (e - quem sabe? – otras cositas más). Cacá tomou dois chopes, Lica tomou um Red Bull (argh!). “Vamos tentar o Haras, Lica?”

"Alô, galera, bate a mão e bate o pé / e bate o pé / e bate o pé...” Era a música repetitiva e previsível do barzinho. Lica até ensaiou uns passos, mas os ossos e músculos não obedeciam aos comandos do cérebro. Arnóbio não saía de sua cabeça.

Cacá, na quarta latinha de cerveja, dançava até durante as pausas entre uma música e outra.

- “Não quero te atrapalhar. Cacá, fica aí que eu vou pro carro...”. Sofrida e abandonada, Lica jogou a toalha e comunicou à amiga que, ali, sua noite tinha acabado. Ato contínuo, no veículo, abandonou-se entre músicas românticas e pensamentos. Adormeceu.

...

“Toc..., toc..., toc...” A advogada acordou assustada e, bem pertinho do carro, rodando um molho com dezenas de chaves na mão direita, estava um homenzinho roliço, com não mais que um metro e meio de altura, careca, canino superior direito coberto de ouro. A figura vestia brilhante camisa de seda. Logo abaixo das estampas pretas, verdes e vermelhas, um cinturão de couro negro com enorme fivela prateada que trazia a imagem de Beto Carreiro empinando o cavalo branco. Preso ao cós dianteiro da calça, um telefone celular piscava intermitente luz vermelha. No braço esquerdo do homenzinho, um desses relógios digitais fosforescentes e grossa pulseira de ouro. Na mão, um anel com pedra vermelha (rubi?) e outro com o símbolo da maçonaria.

- Lica?!!!

Ao abaixar o vidro para ouvir o visitante, as narinas da advogada foram invadidas pela mistura dos cheiros de “Lapidus” e desodorante Avanço.

- A oportunidade bate à tua porta...

- ????????

- Perguntei a tua amiga e ela me disse que tu tinhas vindo para o carro...

- ?????

- Não sou de meias-palavras. Tenho 67 anos, sou divorciado e pai de seis filhos... Meu nome é Deoclécio, tenho um Mercedes 1519 quitado e minha casa é minha... Eu tou procurando uma companheira pra viver comigo...

- ????

- ...Quando te vi, descobri que tu és a metade da minha laranja. - E continuou - Sai desse carro e vem passar a noite comigo?

Ante o olhar de susto e desprezo, o “Dani-DeVito-do-lavrado” concluiu:

- É melhor “tu pensar” bem, pois a felicidade não bate duas vezes na mesma porta.

Lica imaginou-se à beira de uma estrada, cozinhando sob a sombra da carroceria do caminhão, quatro meninos sujos e catarrentos brincando na areia enquanto o “príncipe” urinava na roda traseira do veículo cargueiro. Mais do que de repente, subiu o vidro da porta e virou-se para o lado esquerdo do carro.

Do rádio, a voz do rei, Roberto Carlos: “... são coisas muito grandes pra esquecer/ E a toda hora vão estar presentes/ Você vai ver...”

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Aroldo Pinheiro
Enviado por Aroldo Pinheiro em 08/03/2011
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