O mês de março é chegado. Poderia ser apenas mais um mês no calendário, mas não é. O dia 19 o diferencia dos demais. Talvez até possa ser ignorado por muitos, principalmante aqueles que não têm uma vivência religiosa. O dia 19 é dia de São José. É o dia em que muitas cidades o referenciam como padroeiro. Entre tantas, existe uma pequena vila encravada na serra da Borborema, outrora chamada de Pilões do Maia, atualmente relegada ao posto de Vila Maia que tornou-se a casa de São José, tamanho o prestígio do santo. Todos são devotos de São José, independente de religião. Quanto á vila, continuarei a chama-la de Pilões, já que foi assim que aprendí a amá-la.
       Falar de Pilões me deixa muda, pois é escavacar minhas raizes. Existe uma ligação afetiva tão forte que me impede, me inibe, e calo. Falar de meu pequeno mundo, falar de mim, menor ainda, falar da menina que catava gravetos para escrever nos muros lodosos, de um verde forte, me comove. Qualquer galho servia, e logo os muros se enchiam de palavras sem nexo, declarações de amor, ou simplesmente corações unidos ou partidos, reflexo do que viveria no futuro    
        Á boca miúda escuto falar desse santo milagroso. E ele é tão real como o vizinho á direita. Coitado do santo. A responsabilidade dele é imensa para manter o alto prestígio. Se alguem adoece, se o amor parte para trabalhar em São Paulo e não volta, se uma cobra pica a vaca leiteira, se a  plantação não vinga, é São José que imediatamente é convocado para resolver o problema. Ele tem que atuar em muitas áreas. E assim acontece. Milagres se sucedem, a fé se aviva.
       Muito antes do dia 19 os preparativos iniciam. A vila se enfeita para seu dono. Seus filhos se engalanam para o grande dia. A melhor roupa é comprada, o vestido mais caro é adquirido, embora com os parcos recursos. Imperioso desfilar pela vila em trage de gala. O momento pede. As casas recebem uma mão de cal, e na passagem da procissão a mais bela toalha é colocada na janela com enfeites sobre ela. Os jardins guardam suas flores, o sino da igreginha é polido até o badalo ficar brilhando. Os calçados, cuidadosamente comprados na feira de Bananeiras. Manoel fogueteiro começa sua missão de preparar os foguetões que serão plantados na serra em frente a igreja e queimados na passagem do santo.  Á cada pedido recebido, os pedintes pagam com dúzias de foguetões. Desnecessário dizer que o céu de Pilões se ilumina. Logo ao amanhecer, uma missão me cabe. Sempre me achei indigna de tamanha honra, já que nunca fui religiosa, mas cumpro meu dever com muita alegria. Preparar o andor, onde São José deve passear em visitas aos seus súditos. Já encontro as flores à minha espera. São rosas, margaridas, riso dos anjos, flores de jasmim laranja e muitas orquídeas catadas nas matas circunvizinhas. Aos poucos o andor vai virando um mar de flores que protegem o santo com seu manto ornado de ouro. A expressaõ do santo é sisuda, vai ver que é por causa da imensa responsabilidade em seus ombros.
      Exatamente ás 17 horas, começam a desaguar na vila, as procissões afluentes. Vêm de comunidades vizinhas e pequenos arruados. Descem as serras com destino á festa de seu padroeiro. E vêm empunhando alvoradas cobertas de rosas, vêm trazendo oferendas e ex-votos em agradecimento ao milagre recebido. Muitas mulheres ainda cobrem as cabeças com véus e descalços ignoram os pedregulhos da estrada.  Estão anestesiados pela fé. Aos poucos anoitece. Sentada nos batentes da igreja assisto um espetáculo indescritível. As lanternas dos fiéis
acesas piscam na escuridão e dão um ar de mistério. Parecem miríades de estrelas caidas do céu. O encontro é comovente. Eu, pobre espectadora, choro.
       Completada a família, a procissão é iniciada. Puxando o cortejo, crianças vestidas de anjo, dão o toque celeste. Em seguida, as filhas de Maria orgulhosamente ostentando a fita azul que as diferem das demais. Logo a bandinha se forma e desafina tocando os eternos cantos, mas assume ares de perfeição. O desafinar é aceito prontamente. As beatas cantam ou gritam a letra da música, mas escuto um coral perfeito.
      E, lá vem ele, imóvel no seu andor, mas arrancando lágrimas e aplausos dos fiéis a até de mim que entro na cena e  assumo o papel de sua mais ardorosa filha.
      Será mais um milagre do santo?