Propaganda enganosa

Conceição sempre foi muito romântica. Romântica e assanhada. Iniciou-se sexualmente aos 13 anos de idade. Começou e nunca mais parou: “Quem experimentar um negócio desse e parar é doido”, repete com sinceridade.

Ao longo da vida, a mocinha namorou muito, mas nunca encontrou um homem pra chamar de seu: o príncipe encantado, montado em cavalo branco, com espada salvadora em riste... Ela até dispensava o cavalo branco, mas não abria mão da espada salvadora. De preferência, uma espada bem amolada. E em riste.

Depois de muitos amores e muitos dissabores, Conceição amargava o medo de ficar solteira. Na busca frenética por um companheiro, ela não economizava saídas: festa de todo tipo (de bailes da saudade a raves), encontros de todos os gêneros e interesses, cultos religiosos, velórios... Até foi a uma ou duas reuniões da Terapia do Amor da Igreja Universal. Fosse o que fosse, Ceiça estava presente na esperança de encontrar a sua costela, a metade de sua laranja...

Conceição descobriu na internet um novo jeito de fazer amizades: e-mails, orkut e, finalmente, MSN. Suas noites passaram a ser varadas em conversas pelo mundo virtual. Em cada novo amigo, a coroa via um marido em potencial. Numa dessas investidas, Ceiça conheceu Alfredo. Pronto: amor à primeira teclada.

Conceição comprou um equipamento de última geração para dar mais agilidade aos contatos e entregou-se ao namorado de corpo e alma, digo, de PC e alma. As conversas evoluíram para sonhos e, finalmente, decidiram que iam tentar a vida juntos.

Alfredo, argentino, pediu-lhe tempo para ultimar preparativos, cruzar todo o Brasil e chegar a Boa Vista; neste intervalo, Ceiça arrumava e dava retoques em casa para receber seu novo grande amor.

...

No aeroporto, espera ansiosa. Os passageiros do vôo 1952 desembarcaram e nada do hermano. Desiludida, a balzaquiana ia deixar o terminal, quando uma voz chamou pelo seu nome. Voltou-se e se deparou com o portenho.

O argentino era bem mais velho e mais gordo do que as imagens passadas pela internet. Sentado numa velha e surrada cadeira de rodas, a careca banhada em suor provocado pelo calor tropical, ele abriu um sorriso amarelo e balbuciou: “Ceiça? Yo soy Alfredo...” O mundo de Conceição desabou, mas, compreensiva, levou o namorado pra casa.

Ontem, no Procon, Ceiça argumentava:

- Mas, seu Pedro, quando ele me disse que tinha um pequeno defeito físico eu nunca imaginei que ele fosse paralítico da trigésima sexta vértebra pra baixo... Hoje, eu tenho que acordar cedo para ajudá-lo nas necessidades fisiológicas, banhá-lo, alimentá-lo e levá-lo pra passear sob o sol matinal... Só então eu saio para a repartição... À noite, para acomodá-lo na cama é um sacrifício...

- Entendo sua situação, mas no Código de Defesa do Consumidor não temos nada que trate de relacionamentos entre internautas...

- Mas, seu Pedro, isso não é propaganda enganosa? Eu recebi meio guerreiro pelo preço de um... E, pior, com a espada enferrujada...

- Olhe, minha senhora, tecnicamente é propaganda enganosa, mas isso não é uma relação comercial... Vamos tentar uma saída: que tal fazer uma consulta ao Bill Gates ou ao pessoal do Google?

Aroldo Pinheiro
Enviado por Aroldo Pinheiro em 10/03/2011
Código do texto: T2840181
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