Voltando ao trabalho
 
Em dezembro, alguns dias antes do Natal, minha velha rotina saiu dos eixos por conta de um imprevisto/previsto. E por causa disso,  minha vida se modificou de maneira in/esperada. Se alguém me dissesse na manhã daquele dia chave como minha vida iria mudar, eu simplesmente riria internamente e continuaria a fazer o que estava fazendo: mas mudou e não foi para pior, embora assim parecesse.

Forçada a dar uma parada, também fui forçada a estabelecer prioridades e a rever conceitos. Descobri, na prática, coisas que sabia na teoria. Descobri que, enquanto estava em um quarto de hospital, o mundo continuou a girar na mesma  velocidade, o sol se pondo ao fim do mesmo período de tempo. Continuou a ser dia e a ser noite da mesma forma e as coisas continuaram a serem feitas, sem mim, de maneiras diferentes, algumas até melhores. Conjugados os períodos de licença médica com o gozo de férias foram quase três meses em que o mesmo dilema ficou sem resposta em minha mente: volto ou não volto para o trabalho. Não tive até hoje uma resposta clara que permitisse uma definição consciente. Mas o caso é que estou voltando ao trabalho, sem saber se realmente é isso que quero ou não.

Apesar dessa indefinição sobre o que realmente quero ou não para mim, em relação ao trabalho, algumas coisas ficaram claras: o mais importante é a qualidade de vida. É essa que não posso mais perder sob pena de perder a própria vida. E  embora isso seja inevitável, existem situações que podem ser evitadas e está bem claro para mim que tomarei distância cada vez maior delas.

 A vida acontece em ciclos que se entrecruzam, mas se existem ciclos onde a primazia é do plantio, outros ciclos são dedicados a colheita. No ciclo atual é hora de colher e é preciso fazer isso antes que a colheita se perca. Então, voltei ao trabalho, mas disposta a impedir a minha própria escravidão. Não pretendo permitir que ele seja meu Senhor, mas sim, tenho a disposição para fazer o que gosto com mais gosto ainda. Porque trabalhar sem gosto não vale a pena nem que disto dependa a própria sobrevivência. 
 
Voltei ao trabalho hoje, em plena ressaca carnavalesca, as pessoas ainda entregues á lassidão. O local onde trabalho está em reformas e paro para observar os pedreiros recolhendo entulhos, eliminando rachaduras, destroçando o horrível chão de ardósia para colocar ali assoalho condizente com a estrutura do prédio. Sempre dei muito valor às pessoas que fazem o que não dou conta de fazer. O trabalho braçal me fascina. Apesar de estarmos em meio a escombros, os poucos cômodos que usamos no casarão estão limpos e bem cuidados. A responsável pelo serviço me serve um cafezinho quente e depois se assenta tranquilamente junto ao telefone – estamos quase sozinhas, ela e eu. Leio a correspondência e planejo os dias vindouros.. Ela lê um livro e eu sorrio,  encantada. Na saleta de entrada dos fundos, o vigia do período do dia colocou uma mesa e lê revistas velhas que eu trouxe. Penso: estou no lugar certo, trabalhando com as pessoas certas. Enquanto isso acontecer, a decisão que a vida tomou por mim foi  correta. O que não posso é deixar a velha rotina assumir o controle. Daqui para frente quero ter controle total sobre as rédeas de minha vida.