Quem é o melhor amigo do homem?


Meu Deus! Dei salto da cama. Enquanto cumpro a rotina de mais um dia com a rapidez que me é possível, vou esbravejando:

- Maldito horário de verão! Até que meu corpo se acostume vai ser uma barra. Enquanto penso, acelero as tarefas desta manhã atropelada: Higiene pessoal, escolha da roupa, rápida arrumação do quarto, conferida na bolsa, pasta de documentos.Chego ao café da manhã, bem rápido, que a cafeteira e o microondas proporcionam. Salve a tecnologia, os magos das pesquisas e aperfeiçoamento destas parafernálias! Ainda mastigando, tiro o carro da garagem e pimba! Já estou com atraso, mas confiante, a caminho do meu primeiro e mais importante compromisso do dia. Nem minha pressa em alcançar o meu destino,vai estragar meu dia. Nesta viagem de 40 minutos, que pode representar a realização de um sonho muito esperado, vai me tirar o prazer de apreciar o céu azul nesta manhã de calor intenso. Agradeço à Deus por isso, aproveito e peço uma forcinha pra que tudo corra bem nesta missão nada fácil. De repente o trânsito para, ninguém anda. Descubro que não sou o único atrasado e apressado. Um festival de buzinas irritantes sinalizam de maneira indelicada que todos pedem passagem. O que houve? Sai da frente! Quer moleza, gente boa? (essa é buzina futurista, fala mesmo). Desespero-me depois de dez minutos parado e uma progressão estupidamente lenta, o que aumentam a minha irritação e o meu atraso. Após mais dez minutos ainda no mesmo lugar, pego a bolsa no banco traseiro e sinto o meu coração disparar. Apalpo, procuro, vasculho. Droga! Esqueci o celular! Esta constatação faz o mundo ruir aos meus pés. Arrasado, a ponto de perder o tino! Refém de um engarrafamento e sem comunicação com o mundo. O que fazer? Já ouvi relatos de amigos sobre situações de esquecimento, perda e roubo de celular, porém, jamais poderia imaginar-me em tal situação. Experimento a sensação de náufrago em uma ilha deserta. Penso em voltar à casa, resgatar este pedaço de mim, mas como, aqui ninguém sai do lugar, eu perderia mesmo o meu encontro. Não tem jeito. Relaxo. Ponho uma música ambiente e começo a refletir na extensão de minha dependência desse aparelhinho cada vez mais minúsculo, sofisticado e com múltiplas funções.
Começo a lembrar que Graham Bel, que descobriu o telefone meio por “acaso”, talvez não imaginasse o quanto a comunicação social mudaria com a sua descoberta. É muita doideira. Já temos mais de 120 milhões de telefones (fixos e celulares) espalhados pelo Brasil e a cada dia com a modernização, avanço da tecnologia e necessidade de rapidez na comunicação, aumenta o número de usuários e dependentes do aparelhinho que fala, grita, canta, fotografa, agenda compromissos, manda e recebe recados, como dizia minha avó, não tem papa na língua e é pau pra toda obra. Outro dia encontrei com um amigo que trazia por baixo da camisa pendurado ao cinto, nada mais nada menos que quatro celulares. Curioso, pedi uma explicação pra tantos aparelhos (do antigo tijolão ao mais moderno). O sujeito abriu a pasta e mostrou-me mais dois, e depois desembainhou uma série de motivos para mantê-los, numa relação tão estreita quanto estranha. O mais interessante, que além da linha exclusiva para seus cachos íntimos... Pasmem!!! Tratava-se de um caso de amor entre ele e os aparelhos. Sim, ele me confidenciou que a cada aparelho mais moderno adquirido, ele não tinha coragem de se desfazer do antigo:- Sabe como é, estes bichinhos são como filhos, a gente nunca perde a afeição, o carinho. Para o Maneco, todos os aparelhos tinham nomes, disse:

- O mais velho e me deu muitas alegrias -Foi com ele que Rosa me confidenciou que estava esperando o nosso primeiro filho e também foi pelo Maneco que soube da morte da minha sogra, que felicidade!Agora eu lhe pergunto (virou-se pra mim):- Como não criar uma relação de afeto e de reconhecimento pela fidelidade e bons serviços prestados? Os olhos do doido marejados de lágrima e as mãos a alisar o velho celular num canto da pasta. Cada um trazia uma história marcante que justificava aquele comportamento um tanto exagerado. Não isso não! Não admito pra mim tal coisa. Posso ter dependência, apego não. Isso é loucura.


O trânsito começa a fluir e vejo dois carros amassados logo à frente, enquanto os motoristas apoiados em seus veículos falam nervosos ao celular, lembro do meu que ficou em cima da escrivaninha carregando, e tomo uma repentina decisão. Pelo avançado da hora, já perdi o meu encontro, portanto farei o retorno e irei pra casa buscá-lo. Além de todos os meus contatos que estão lá, quase que toda a minha vida de relação, preciso recompor o meu eu despedaçado, desprotegido e inseguro, que me impossibilita fazer qualquer coisa, tomar qualquer decisão nesta manhã. Sem celular é impossível viver. Ligarei para o editor e tentarei remarcar um novo encontro. Quem sabe o sonho do primeiro livro editado, comece a sua história por um telefonema e eu tenha assim forte motivo para rever a minha fria relação com este aparelho que, hoje, já é para muitos o melhor amigo do homem civilizado, causando frenesi e protesto no mundo animal.

Coitado do amigo cachorro.










Cosme Belizário
Enviado por Cosme Belizário em 06/11/2006
Reeditado em 08/11/2006
Código do texto: T284134