A MOÇA E A LÍNGUA

Ela estava ali, perdida em seus devaneios, olhando o cair da tarde em sua rotina crepuscular, imaginando entre as flores da campina, o que seria dela, longe de seu habitat natural, longe do seu refúgio onde poderia, e só exclusivamente ali, ser ela mesma. Sofria por antecipação, sentindo horrores por ter que apresentar aquele trabalho de língua portuguesa que a professora impusera, com severidade, para que fosse apresentado logo na semana seguinte. Logo ela, moça pobre da zona rural, de traços simples, com a humildade escapando-lhe aos gestos, como poderia imaginar-se à frente de sua turma, recordar todas as regras impostas pela impiedosa educadora?

Nesse impasse, como trem bala desgovernado, passou a semana, tão rápida que ela imaginou que havia um complô entre o tempo e a aula de português para desmoralizá-la mais rápido.

Adentrou a sala de aula, aquelas paredes azuis pareciam fechar-se ao seu redor, os olhos do mundo agora estavam fixos aos seus movimentos e a professora agora tinha uns dois metros a mais de altura diante da sua aflição.

Dirige-se à frente, fecha os olhos como se estivesse a meditar num templo budista, separa o material estudado e naquele momento resvala o olhar perante a sala e sente o peso da responsabilidade pendendo sobre todos os músculos do seu corpo, sente-se desfalecer, mas só por um momento e aguarda...

A professora, com sua voz impetuosa, pede silêncio à classe e faz a fatídica pergunta:

- Está pronta Maria?

Concentra-se, relembrando tudo o que foi estudado, com todas as regras gramaticais afinadíssimas na ponta da língua, tremula um pouco e responde:

-Craro fessôra, tá tudo decoradin, só tá me fartano corage pra infrentá essa peleja disgraçada que é falá a língua portuguesa uai.