Vista das Sete Pontes - Rio entre a Conda e a Gabela


Uma crônica De: Silvino Potêncio  "A Culpa foi da Cabra"


(009) - A Culpa, do Malufo, é da Cabra!...

"... a culpa foi da cabra!!!... (dizia o cabreiro que colocou o cartaz na ponte que caiu, antes de chegar ao final da travessia). - Também pudera coitada!,... ela nem sabia ler,... como é que ela ia adivinhar que o cabreiro era tão prevenido??? - quem não sabe o resto desta fábula, pode solicitar à Directoria do departamento de "besteirol" aqui do espaço do leitor, que a gente manda!...” por agora vamos à crônica:

... Conda/Gabela; província do ("Kwanza Sul" moderno),- fica entre a Vila Nova do Seles e a então cidade da Gabela ...lá pelos idos de Junho de 1968.
- Era época das festas juninas lá pelas bandas do clube social da Vila em noite de gala!
- Era noite  de gala, não porque estivéssemos com alguma coisa engalanada por ali, mas sim porque ... bem, "voismecês" sabem!...
- os galos, metidos a galãs, vinham sempre lá da Roça cheios de poeira, "roça" daqui, "roça" dali, e lá vínhamos nós pelas rilheiras da estrada vicinal, (acho que escrevi direito aqui... ou era estrada vaginal,. Virginal... sei lá!!!???) e descíamos à Vila em busca de alguma "galinha" para lhe darmos a nossa melhor ® catramonzelada!
Depois de atravessar as “sete pontes” da estrada da fazenda "Boa Entrada" - naquele fim de mundo de ladeira, após ladeira, não sei porque cargas d'água lhe chamavam "Boa Entrada"!...
- Bom, ...quem passou lá, nas sete pontes, certamente sabe onde é o lugar.
- Nós éramos galos-galãs mas não tínhamos poleiro certo, (nem político nem social, nem vicinal ou vaginal, só comercial e às vezes agro-rural por simpatia, das agruras de quem mexe c'ua terra dos outros) éramos emigrantes na própria terra, porque éramos brancos e ficávamos ali todos emproados, todos engalanados e porque não dizê-lo!?; todos cheios de "gala" hormonal-prostesterónica, tipo "borras do azeite" no fundo do lagar em final de produção!
- Parámos a velha carrinha Bedford na frente da loja do compadre do meu irmão Zé,(que não era Alentejano, mas... tão ou mais matarroano branco do que nós!)... e entrámos para mais uma "nocal" ou uma "cuca", já não me lembro bem!...
Naquele tempo só custava entornar a primeira!, depois... enquanto não acabássemos as outras todas, que estivéssem lá no "frigorífico a petróleo", não parávamos!.
Uh... - qué que estão p'ra aí a pensar ? uma "cuca"só? ... na verdade, era mesmo uma grade inteirinha, cheeiinha de cerveja até à boca!
- pronto! vocês vão dizer... a conversa desandou de novo!
-- não! não! o "frigorífico era a petróleo"!, vulgarmente conhecido no Brasil como geladeira, lá p'ra nós era "frigorífico e era a petróleo" assim mesmo!.
(anos mais tarde é que "xigou" o "Ti Farrobilha Guedes" e começou a importar as tais de "westinghouse", as "G.E" e... tinha até umas com a marca do Benfica Campeão da europa, pá!!!) era "frigorífico e era a petróleo" assim mesmo!. E funcionava!... Era tiro e queda...
- Se "xigássemos" lá e o petróleo estivesse apagado, sem fumo nem fumaça não tinha cerveja fria!,... "d'sarteza" tínhamos que as "buber" quentes! mas... "frigorífico dos branco" era a petróleo e funcionava!!.

Meu irmão sim, esse vinha mesmo era sempre disposto p'ra beber aquele vinho tinto tipo "carrascão do cartaxo" do barril que vinha lá do "puto" no navio, e o descarregavam no porto do Lobito, depois de passar pela SBEL - Sociedade de Bebidas Espirituosas do Lobito,...
- èpáaaa... aquilo era cada martelada!, que vinha de lá, cada "murraça" ... até o tal do "viski feito a martelo" (*) vinha de lá da SBEL.
Por isso eu continuei anos e anos com a minha aversão ao "sangue do "J.C." ...mas como naquele dia não tinha vinho, só cerveja, "catembe" ou "malufo"!!! tivemos que o engulir como estava.
- épà...(Portugal está em fase pré-gestatória!!! não fazer confusão aqui com qualquer político candidato a presidente eterno do "não fui eu, foi a cabra"!!! de nome sincrónimo-similar com tendências plágicas de uso abusivo aos direitos do autor desta simples crônica!!!... com apenas uma mera intenção subterfúgica de aplicar a teoria da "cabra e do cabrão" que em vez de subir na palmeira subiu aos Alpes Suiços p'ra sangrar os cofres da Casa da Mãe-Pátria no seu tom patriarcal!
- Se o leitor tivér bexiga para ler mais um pouco eu explico lá embaixo... você sabe que é que é??!!...
- às vezes a gente começa a rir e, quando vai ver, a bexiga se abriu sem querer e de tanta cerveja mijou nas calças antes de terminar a prosa!...
- Buber Beer é Bacana, mas dá nisso... Biu??
(voltando à vaca fria, melhor dizendo à “cerveja fria” )...
Dizia eu que, naquele tempo...nós íamos sempre a parar nos mesmos lugares,lá não tinha mais nada ande ir!... ou no bar do clube para reabastecer porque o "frigorífico era a petróleo" mas ele não produz cerveja!
- Tem que se "botar" lá as cervejas nele com antecedência,
(aviso aos emigrandes desapercebidos; não confundir com "votar" nele com antecedência! - como nos pedem agora lá de "Lisboua", tem que ser antes do dia 20 caraças!... esta agora,... e eu já perdi a porra do enbelope...
- olha!... que se foooo...depois do dia 20 num botas lá mais não!... dizem eles) e nós, mesmo sem sermos galos nem galãs e muito menos galinhas, "punhamos" elas, as cervejas, dentro do frigorífico a petroleo para elas ficarem lá frias com o calor!... Um dia explicarei como funcionava.
Era assim! - ou íamos p'ro clube ou então íamos parar atrás do posto de gasolina p'ra usar a casa de banho a céu aberto! - Que alívio mijar a céu aberto!...
- A cerveja boa como sabem, é o fruto de um casamento entre o lúpulo e a cevada! Era um casamento prefeito como uma ® “CATRAMONZELADA” classe five Stars!...
- A cerveja, lá,... fazia um "MALUFO" perfeitamente "furmentado",(sem furmento) engarrafado, encapsulado que depois a gente tinha que abrir com os dentes por falta de "saca-rolhas"...
- Ela, a cerveja "cuca" É muito diurética e ela só aguenta "furmentar" no calor das caldeiras da "estrada da cuca" em recinto fechado. Por isso nós saíamos de lá de perto do "frigorífico" com os rins a ferver à volta da bexiga e... (também pudera, com um frigorífico a petróleo nas costas e a grade de cerveja debaixo dos "timbernilhos" a servir de tamborete!!!) corríamos já com a mangueira na mão p'ra esvaziar em passo de corrida.
- Na volta... da conversa;
- Intremos no clube?...
- Não, num bamos antrar agora, não!... inda num "xigou" o Xô Administrador e aqui na Bila... enquanto ele num "xigar", num começa o bailo!...
- Nisto surgiu o imprevisto...
- ó pá !...vamos lá c'até o Sr Alferes Miliciano já "xigou" pá!...
- não, não!...
- de repente do outro lado da rua em vez de uma "galinha", passou uma "cabrita" (o Xico da banda a chama de "cabrocha", porquê??) ela tinha talvez os seus 15 - 16 e pronto!.... o meu irmão disparou assim meio em suspenso,... sussurante como quem arrasta a asa e... como quem não arrisca não petisca, e foi falando baixinho...
- Ah!.. Cafeco,... eiha induko toléle,... um tambo un gao yo vino! inda ribita (tradução da lingua mussele: Ei garota vem cá!,... vamos tomar uma garrafa de vinho, gosta da rebita... etc e tal e coisa...)
- Péra aí Zé, deix'ó "Cafeco" p'ra lá qu'ela num pode intrar no bailo, eu vou é intrar agora, queres bir, ou não???
- E lá fomos!
- Um salão grande!... Uma "grafanola" a pilhas, colocada no cima duma mesa com toalha branca, um jarro de flores d'acácia, e uns discos do Nelson Gonçalves, do Tony de Matos, e do Max!... a lampada brilhava menos que a careca dele...
- e uma fileira de cadeiras de cada lado do salão.
- No centro, nada!.. uns 60 metros quadrados de pista de dança. Era uma temeridade entrar e atravessar o "bailo" todo sem ninguém a dançar!
- Ó pá! vamos imbora qu'isto aqui é muito fino!... (falava o meu irmão com a mão na boca ainda encostado na porta com vergonha de entrar)...
- Ainda ele não tinha acabado de falar e eu já estava com as mãos a alizar o cabelo (sem brilhantina mas escorrido p'ro lado, assim tipo "mein kempt" ... p'rós entendidos estava ali a "minha luta" do Ti Adolfo Hit l’her).
- La fui e atravessei o salão,... sacudi as calças "à boca de sino" e puxei na ilharga a camisa branca, claro era de meia-manga e pomposamente importada com nome "made in Macau" (não confundir com a cidade de Macau lá no litoral do Rio Grande do Norte-Brasil, esta era mesmo de Macau da China).
... Fiz o "salamaleiko" (***) da praxe, e...
- epáaaa... não é que deu certo!!!!???...
A donzela, cujo nome eu nunca soube porque nunca lho perguntei, levantou-se da cadeira ao lado da Dama de companhia que a acompanhava, e estava sentada solenemente do lado dela e veio dançar comigo.
- Porquê?...perguntem à "cuca".
... pelo canto do olho quando eu me virava ao sabor da música para aquele lado, lá via eu o meu irmão todo envergonhado, com as mãos nos bolsos da calça como se estivésse petrificado.
- Afinal eu havia inaugurado o baile sem a presença do Xô Administrador!...
- A mais alta autoridade administrativa lá do lugar!...
E com quem eu quebrei a tradição ?... nada menos que com a filha do Sr. Administrador!...
(**) Esta ® “CATRAMONZELADA” claro, não terminou ali mas, vamos lá então à explicação supramencionada;
- Lá em Angola todo o "MALUFO" era terminantemente proibido!!!
(E como nós emigrantes falamos tudo que é proibido aqui no Club por especial deferência do Presidente, que nunca elegemos,... Ele subiu no "poleiro" porque quiz! então lá vai...)
- Ó Zé !!! que é que é isso do "MALUFO" ?...
E ele então me esclareceu:  ó pá não fales alto aqui porque o Chefe de Posto anda de olho numas palmeiras que temos lá na roça e um dia destes até me pediu a minha espingarda caçadeira para olhar a ver se eu não a tinha usado ultimamente.
Eu sei que foi ele O cabrão que  apanhou lá um "Negro" a sangrar o olho da palmeira lá em cima, bem no alto! ... e olha que era bem alta, tinha uns 20 metros ou mais!... mas ele o Chefe do Posto anda aí atrás de alguém para empurrar a culpa para cima,  porque o "Negro"  subiu na palmeira c'os pés e c'uas mãos mas desceu a voar,... sem mãos nem pés!...entendes?
Coitado até parecia um corbo a gritar!... faço mais não patrão, faço mais não !!! ... e não fez mesmo!
Quando bateu com a cabeça no chão na barranca do Cambongo (rio que desagua em Novo Redondo) ficou aleijado de tal forma que nunca mais subiu em nada.
-- tá bem, tá bem, pá!... isso é problema do Chefe do Posto!...  mas conta lá o que é esse tal do "MALUFO" caraças!!!
- È uma bebida, ora atão!...
Mas nós viémos aqui p'ra beber ou p'ra falar do "MALUFO"???...
- tá bem, tá bem, pá!....
- olha,  lá na Roça os nativos sobem nas palmeiras que estão com os cachos em formação no topo da copa da árvore.
Levam um facão (catana) para sangrar na base do cacho que nada mais é do que o útero da planta onde se forma a seiva que depois se transforma em fruto.
- Quando a fruta está madura; da polpa se extrai o azeite de dendê, o conhecido oleo de palma, e de dentro do coco sai o coconote, etc e tal e coisa.
Só que quando se sangra a base do cacho, para extrair o liquido antes dele passar para os cocos, se for o que fica no topo do olho da palmeira, depois de uns 3 ou 4 meses ela, a palmeira morre!
E... claro, não dá mais coconote, nem oleo, nem nada.
Por isso é que é proibido e como o fruto proibido é o mais desejado...
- É assim cum'as mulheres, se lhes tirarmos a "gala" lá de dentro já vês né...
-- tá bem, tá bem, pá!... mas conta, conta mais sobre   Malufo e o que é que tem a ver c'ua Cabra!?...
O líquido é extraído da palmeira, depois é refinado com açucar, no fogo, e produz-se então o tal do "MALUFO"!!!...
Imagina se os brasileiros descobrem isso lá para baptizar a "cachaça" pá!!!...
- Nem os alambiques de 3 cabeças conseguem fazer cachaça igual.
Tás a ver,né?...
- não há aqui semelhança nenhuma com políticos nem nada, mas o gajo lá no "puto" ia logo a aplicar isto na política do como o "MALUFO"  que diz que; "não fui eu não, pá!
- eu até nunca nem estive na Suíça!...como é que tenho lá milhões?
-  olha aqui ó "cara" !...  o mais alto que eu já subi foi num pé de coco p'ra saber se o coco é oco!!!..(vidé musica da MPB) . e nem gosto de nenhum "MALUFO" pá!!
--- esse que tu estás a pensar é emigrante sim, mas vem lá da terra do Bin...ládo!,..Binládo...pô!
É aquele lá do campo de treino da C.I.A....
E o que é isso? C.I.A. acho que é Centro Imigrante Anglo-Americano ou coisa assim.. como é que é!... que até tem lá uns gajos da GNR pá!!!???
- Não, pô!...  ele não gosta desse tal do Bin de La´não, pá!...
- Énapá... um "sorvo" daquilo rebenta qualquer um pá!
- Levanta até o Napoleão que morreu lá na Ilha da Santa Helena, no ano da graça de 1821, exatos 6 anos depois de perder a batalha do "waterloo" em 1815... quando tinha 51 anos 8 meses e 21 dias! ... e no dia 5 de Maio pá!
- (lá vens tu com as tuas capicúas)
- pára com isso e deixa lá o Napoleão, ele morreu evenenado pelo vinho que os Ingleses lhe davam às dornas mas (depois conto esta)...
- Tá bem... conta lá o resto do "MALUFO"!!! ...
Na versão do Chefe de Posto a coisa foi mais ou menso assim:
O "soba" (chefe da aldeia) foi lá e derrubou o preto que estava encarrapitado lá na palmeira e já estava a amarrar o 5 litros!!!...
E de "sarteza" aquele cacho ia dar o suficiente para encher um barril ou mais!... Eu sei que foi ele que matou a palmeira, porque comprou uma saca de açúcar na semana passada lá na nossa loja, o "soba" mandou matar a palmeira que fica no meu terreno, na certa e agora quer empurrar as culpas p'ra cima d'alguém...
É, eu até andei lá na roça atrás duns "Cafecos" do soba.
Ele tem umas 4 ou 5 de reserva e eu aqui sem nenhuma, mas não tenho nada a ver com essa "estória" do "MALUFO"!!! ...
Prontos!... a culpa foi da Cabra... ou do Cabrão do Chefe... eu acho!

Notas do autor:
(*) o autor foi responsável pelo fornecimento de bebida aos oficiais e sargentos do Q.G. de Angola durante uns 24 meses.

(**) Talvez por causa disto eu nunca tenha gostado da política e não é agora que vou mudar. O meu partido é a minha língua. (qualquer semelhança com a sentença universal do Sr António Reis, digníssimo e competentíssimo heterónimo do grande Fernando! ... o Pessoa... É pura coincidência) mas, isso explicaremos lá mais adiante! .
(In: “OS GAMBUZINOS”)
Autor: Silvino Potêncio
Ex Residente em Angola
Ex Combatente
Ex Pulso do IARN e do Gueto AULGARVESCHWITZ
Eis Criba Avulso de "Catramonzeladas Literárias"
www.silvinopotencio.net
Silvino Potêncio
Enviado por Silvino Potêncio em 14/03/2011
Reeditado em 07/12/2017
Código do texto: T2847930
Classificação de conteúdo: seguro
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