Velhos, Infelizes e Sem Perspectivas.

Olhando pra rua, fumando um cigarro na calçada, com o sol esturricando mamona, porém amparado pela sombra roliça de um poste de iluminação pública, pensando na grana que me devem e na que devo, vi de relance, meio que sem querer, cabeça quente, um velhote passar conduzindo uma Honda azul, 125, das primeiras, provavelmente ano 72, lentamente, com o capacete para trás, despreocupadamente, fumando também um cigarro. Suas roupas eram bem velhas, tão velhas e desgastadas quanto ele e sua moto.

O que mais me chamou a atenção foi o modo como se sentava no banco da moto, bem pra traz, sossegado, acelerando lentamente, meio corcunda, seco, alquebrado. Fiquei com pena, a priori, mas depois tive pena mesmo foi de mim, por estar ali vendo aquela cena, sem que ninguém no mundo se desse conta. Nem Deus, nem um cão sequer o perscrutava, apenas eu, cansado com meu maldito companheiro cigarro, cada um odiando cada vez mais o outro, e sei que mais dia, menos dia, um ou outro morrerá. Hoje o cigarro morreu antes.

E nisso o velho com a moto igualmente velha, e roupas puídas, foi passando...

Depois de tudo, do velho, do cigarro e de meu praguejar, ainda fiquei uns cinco ou quinze minutos ali, torto, recostado no poste quente, a pensar... O que nos impulsiona a tanto? Se porventura o ser humano soubesse a verdadeira realidade de sua vida, sua essência única, de nada de nada, de carne composta e destinada à desintegração e à morte, será, será que nos preocuparíamos tanto com tanta picuinha do dia-a-dia, que dentro de nossas cabeças preocupadas e cheias de calvícies, caspas e problemas, apresentam-nos como grandiosas?

Confesso que por um momento me quis crucificar ali mesmo, naquele poste quente, em meio a fios de eletricidade, berrando ao mundo que todos vão para a mesma cova rasa, amparados por alguns insignificantes insetos e flores que apodrecerão sobre o concreto quente. Por isso trocaria todos os livros de auto-ajuda do mundo por apenas um, “O Mundo Como Vontade e Representação”, de Arthur Schopenhauer, mas não tenho livros de auto-ajuda, e sequer teria a coragem de limpar a bunda com uma de suas folhas arrancadas às pressas dentro de um banheiro sujo de rodoviária, pois seria provável que nascesse brotoejas róseas, as quais deveriam ser curadas com creme nívea.

Bundas de bebê, trancadas com medo dentro de apartamentos alvos e desinfetados, assistindo t.v. e comendo rosquinhas tostines, felizes da vida, à tarde, ligados no programa da Eliana, mas contando com mais de sessenta anos de idade, sorridentes com seus implantes de última geração, enquanto brutos velhos da roça carregam troncos ásperos de madeira a fim de rachar lenha para assar um porco morto às pressas, pois as crianças esgoelam-se de fome.

A vida desigual de cada qual, pouco notada na realidade nacional atual. Ninguém pensa em ninguém. Católicos dizem amém, erguem suas mãos pro céu pensando em “suas” salvações. Espíritas anseiam passar na escola da vida, meritoriamente; muçulmanos se matam na ânsia de um rio de leite azedo e algumas prostitutas que lhes tragam quibe frito com azeite de oliva no pos-mortem..., tudo na expectativa do além-mundo.

Mas, e o agora? E o velho da moto que sabe-se lá vaga quase morto por saber que no fundo do peito que um câncer o corrói a cada segundo, e fuma mais, e deixou de comprar remédios para ter a oportunidade de zanzar por aí em sua velha motocicleta azul, a la easy rider, sem mais nenhuma perspectiva de vida, lembrando que quando criança um dia freqüentou o catecismo e acreditou num homem bom e universal que vivia num mundo distante, e que não o deixaria sofrer na vida?

Todos contra todos no país dos tolos! E ainda não estou bêbado...

Savok Onaitsirk, 15.03.11.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 15/03/2011
Código do texto: T2849974
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