Vendem-se! Dois livros de culinária


Tem pessoas que conhecemos ao longo da vida, que pelo seu jeito, sua personalidade marcante tornam-se inesquecíveis.
Assim é a minha amiga Margareth.
Margô é exagerada, intensa, apaixonada pela vida, pelos amigos. Suas relações afetivas e de amizades chegam a ser passionais, repletas de momentos fortes, beirando, às vezes, a cena de novela das oito. 
Moramos no mesmo bairro, trabalhamos um tempo na mesma empresa, dançamos os mesmos bailes, freqüentamos os mesmos bares, tivemos amigos comuns, mas havia tempo que não nos encontrávamos. Nesta manhã ao passar para o trabalho, quem eu avisto no ponto do ônibus, minha amiga Margô. Imediatamente dou ré, cumprimento-a daquela maneira muito especial:- Pra onde vai esta mulher fatal a esta hora da manhã? Ela abre aquele sorriso peculiar, grita o meu nome e vem ao meu encontro no meio da rua curvando-se para me abraçar dentro do carro, e nos cumprimentamos de maneira entusiástica e calorosa como sempre. Descubro que os nossos destinos coincidem e lhe dou carona até o centro da cidade.
Minha amiga, alinhada como sempre, vestia  chanel , combinando bolsa, cordão, pulseiras e brincos sem abrir mão do batom encarnado, marca registrada, realçando os contornos de sua boca carnuda e risonha. Margô, sempre muito falante, começa a descrever a reforma e decoração de seu apartamento em Copacabana, dizia: Você tem que vê, está ficando a minha cara. Estou curtindo muito esta experiência de decoradora. Cada cantinho, cada pedacinho, é como se eu estivesse ali. Um arraso! Pergunto pelo namorado e Margô com cara de decepção diz: Olha! Nem te conto. Você me conhece, sabe como sou. Nem me fala naquele f.d.p que me dá enjôo. Sorrindo pergunto: Mas o que houve? Vocês estavam tão apaixonados. Pois é, e estávamos mesmo, bem, pelo menos eu estava. E aí amigo, no auge do rala e rola descubro que o bonitinho é casado e vinha tirando sarro com a minha cara. Foi uma barra quase morri! Eu respirava aquele homem. No meu apartamento, que  na síndrome da paixão, eu dizia: - nosso apartamento. Pra você ter idéia, tinha foto do sujeito até no banheiro. Comigo é assim, sempre foi assim, tudo muito intenso. Comidinhas pra depois do amor, surpresas, roupinhas e brinquedinhos de sex shop pra esquentar o babado, presentinhos, ligações no meio da noite pra dizer pro bonitinho: Amorzinho, sou eu. Tô ligando pra dizer que te amo. E foi aí! Justamente aí que o bicho pegou. Liguei duas da manhã e a matriz de espreita na extensão: Cláudio quem é esta louca? Ligar para um homem casado, pai de três filhos a esta hora pra dizer, eu te amo. Só pode ser louca. Você vai me explicar isso direitinho, seu cretino! E os dois bateram o telefone discutindo e eu ali, muda. Telefone na mão. Vazia de mim. As lágrimas rolando e eu sem querer acreditar no que acabava de descobrir. Sozinha naquele apartamento que havia decorado pra nós. Tomei o maior porre da minha vida. Joguei muitos porta retratos e pedaços de fotos pela janela. No fundo queria morrer. Olha! Foi um verdadeiro inferno.
E quando eu penso que fui a Bienal na semana anterior a tragédia e com pouca grana, deixei de comprar meus livros técnicos que tanto preciso para comprar dois livros de culinária e “Cartas de amor” de Teixeira de Queiroz, que no auge de meu acesso de raiva, rasguei e joguei no lixo.
Caramba! Eu vou descer aqui. E aproveitando o sinal fechado adianta-se no desembarque.
Eu não sabia se ria ou chorava, quando minha amiga, após despedir-se, gritou da calçada: Se souber de alguém que queira comprar dois livros de culinária na embalagem, me liga, tá? Mas tem que ser antes do próximo acesso. E sorrindo muito, sumiu serelepe a passos largos entre as barracas do camelôdromo da Uruguaiana rumo à avenida Rio Branco.
Cosme Belizário
Enviado por Cosme Belizário em 08/11/2006
Reeditado em 24/11/2006
Código do texto: T285163