Minhas vidas

“Da vez primeira em que me assassinaram

Perdi um jeito de sorrir que eu tinha...

Depois, de cada vez que me mataram,

Foram levando qualquer coisa minha...”

(Mário Quintana).

Já morri diversas vezes. Na primeira, não me levaram uma coisa qualquer, mas jogaram-me em mim, no interior do interior daquilo que sou. Desde então o interno é meu país.

Recluso assim, veio em seguida a posse do saber que diziam não ser meu, mas que sempre se fazia parte do meu olhar. Ah!... minhas idéias ninguém deu conta de extinguir.

Ao me tirarem o chão, mataram-me para o espaço, mas, como recompensa, ganhei todos os caminhos que podiam existir. Nesse caso, é o mundo que não pode mais fugir daqui.

De repente, levaram-me o teto. Porém, não puderam me roubar o céu. Se hoje desconheço cercas e muros, é porque o horizonte é que é meu.

Minha carne foi objeto de todas as ranhuras. No entanto, enquanto martelavam meus ossos, minha alma se fortalecia. Agora, meu espírito plana e sorri.

Em cada morte morrida deixei ir a ilusão da matéria, abri mão do saber que é tirania, passei longe da mesquinhez do ter, percebi não ser preciso telha para estar vivo e não fixei na carcaça que me carrega o zelo do existir.

É verdade! Todas essas vezes eu morri. No entanto, em todas elas a vida fez-se o meu troco:

A vida potência. A vida real. A vida livre. A vida que vivi. A vida que vivo. A vida que faço por mim. Porque agora meu espírito plana... Plana e sorri.