A TROVOADA DE SÃO JOSÉ



     Como agrônomo extensionista, sempre valorizei o conhecimento popular. Nunca me arvorei a detentor do saber no relacionamento com o agricultor. Longe de empurrar "goela abaixo" as tecnologias modernas para melhorar a sua produção, minha atitude era outra. Ouvia-o, antes de tudo, para entender a lógica do seu sistema produtivo. Assim ganhava a sua confiança e negociava com ele as "novidades" que mais se adptassem à sua realidade.

     Na verdade os sitemas de produção usados pelo agricultor têm uma razão de ser. Os conhecimentos são passados de pai para filho e a experiência de gerações tem, na maioria das vezes, alguma lógica. 

     Pois bem, a crônica de hoje se inspira na concretude dessa racionalidade. O fato se deu nos idos 1968. Pouco depois do golpe militar chegaram ao Brasil muitas missões americanas sob a égide do Programa Aliança para o Progresso. O objetivo manifesto era trazer ajuda tecnológica, alimentos e outros itens para reduzir focos de tensão nas áreas mais pobres, principalmente do nordeste. 

    Na Bahia, uma equipe de técnicos americanos veio parar no instituto de pesquisas - Ipeal, onde eu trabalhava. Nesse grupo estava o economista Gene Jefferies. O seu projeto tinha como objetivo encontrar alternativas tecnológicas para melhorar a produtividade das fazendas do município de Cruz das Almas, Bahia.

     Na primeira fase da pesquisa seriam coletadas
informações de uma amostra de agricultores 
representativa da  região. O questionário trazia um monte de perguntas. Saber a época de plantio das lavouras era um dos ítens levantados. 

     No primeiro dia do levantamento o gringo partiu para o campo. Passou o dia todo por lá, só retornando quando escureceu. No dia seguinte, antes de prosseguir o trabalho, passou por minha sala com alguns questionários na mão e olhar intrigado. Pediu-me ajuda para explicar o que os agricultores queriam dizer quando respondiam "na trovoada de São José" ao serem perguntados sobre a época escolhida para o plantio de milho e feijão.   

     Expliquei que era hábito dos agricultores plantarem milho e feijão no dia 19 de março, dia de São José. Uma tradição de pai para filho, alimentada pela certeza de chuva abundante nesse dia, sempre acompanhada de trovoada. Ele meio desconfiado, tirou do bolso uma pequena agenda e escreveu qualquer coisa.

     Oito meses depois, a primeira fase da pesquisa estava concluida, os dados computados, só faltando escrever o relatório. Estávamos em reunião, planejando essa fase do trabalho quando a sala foi iluminada por um forte clarão seguido de estampidos de trovoada.
     
     Uma chuva forte desabou, perdurando pelo resto da tarde e começo de noite. Foi quando Gene olhou para o calendário, na parede. Era 19 de março. Ele incontinenti tirou do bolso a indefectível agenda  e apontou sorridente para a anotação que fizera meses antes: vai chover no dia 19 de março.  

     No momento que escrevo estas linhas, estou em Cruz das Almas, me preparando para retornar a Brasília, ainda hoje, 18  de março.  O calor é insuportável, o chão estorricado e o dia de São José está a menos de 24 quatro horas. Haverá mesmo a esperada chuva de trovoada? Ou a intervenção predatória do homem sobre a natureza tem mexido com o humor do santo, a ponto de ele fechar as torneiras outrora generosas?

     É o que vamos verificar nessas próximas horas. Quem das bandas do recôncavo da Bahia estiver lendo essa crônica, bem que poderia me tirar essa dúvida...