Rituais de uma separação

Um dia ela acordou indisposta, noutro infeliz, e numa seqüência de dias e noites fingiu que nada acontecia. Ele, apesar de ter notado, preferiu não saber o que se passava, se tinha jeito, e que talvez o melhor fosse ignorar. Conversas adiadas, longos períodos de silêncio e uma falta que nada substituía. Falta um do outro, dos pedidos fora de hora, das fantasias antes partilhadas, do querer estar junto mesmo quando nem era tão necessário.

Duas vidas que um dia prometeram tornar-se uma só carne, não sabiam onde começaram a se perder. Prometeram respeitar individualidades, fazer pausas, mudar de casa, de trabalho, de sonhos, se preciso fosse. Prometeram cuidar um do outro. Mas o tempo passava e as coisas mais urgentes tornaram o cotidiano monótono, sustentado por uma frieza, uma apatia de quem se rendeu, que não quer mais lutar por algo maior e melhor.

Ambos sabiam que aquilo não duraria muito tempo. E com isso, desrespeitando a lealdade, viviam vidas paralelas. Deixou de ser importante viajar juntos, almoçar com as louças especialmente compradas para ocasiões especiais, dividir sucessos no trabalho e vida pessoal. Dividir era tão somente as contas do mês e a culpa pelos olhos fechados.

Um dia ela acordou disposta a ir embora. Não sabia dividir mais nada, deixou tudo para trás. Casa, móveis, louças, roupas e presentes faziam parte do passado. Sentado, ele observava seu amor se aprontando para nova vida. Quis reagir, mas se conteve, para não ter que falar sobre algo que desconhecia. Em tanto tempo juntos, não tiveram tempo de perguntar do que o outro precisava. Não tiveram coragem de tocar onde doía, de mudar o que incomodava, de reagir ao que era estabelecido. Embora despreparados, separavam-se.