Qui scribit, bis legit - Ipsis litteris

Em 1954 fui matriculado na escola primária "Externato Menino Jesus", Rua Lino Coutinho, o número do prédio não recordo, localizava-se entre as ruas Labatut e Brigadeiro Jordão, alguns quarteirões distantes do Grupo Escolar Visconde de Itaúna.

Primeiro dia de aula, não sabia nem pegar no lápis. As carteiras escolares eram inclinadas, abrigavam dois alunos por cadeira, tinha um buraco para colocar um recipiente de tinta (tinteiro) e uma cavidade para colocar lápis e a famosa caneta bico de pena, isso para os alunos de outras séries.

A expectativa do primeiro dia de aula passou, fui ambientando-me com os demais colegas de classe, dias após dias depois a Dona Apolônia Carvalho Cruz, nossa professora, me entregou uma folha de papel almaço em formato quadriculado, e disse-me, escreva nesta folha a lição da cartilha.

Fui aos poucos copiando a lição da cartilha "Caminho Suave", achava engraçado ter que escrever aquelas palavras, era tal de "A pata nada, pata pa..." e assim por diante, enfim, já sabia escrever as vogais, consoantes e os números de 1 a 10.

A classe era mista, ambos os sexos, tinham lá um aluno com problemas de fonologia (gaga), que ao soletrar as lições, não conseguindo, ficava nervosa, sua face robustecera, na época não se falava em fonologia.

Branca Alves de Lima (*1911 - 2001) foi a criadora da cartilha "Caminho Suave", importante obra didática que alfabetizou gerações e gerações de pessoas, eu também suavemente aprendi a ler e a escrever com ela. A nossa professora vivia dizendo, escreva a lição igualmente com letra de forma. Ao ouvir isso me perguntava o que é letra de forma.

O tempo passou, cresci, por um acaso fui trabalhar numa empresa gráfica, onde conheci o que era a tal letra de forma, os caracteres tipográficos. Gostei do serviço e logo aprendi a distribuir os caracteres, acabei fazendo alguns cursos à noite no Senai - Artes Gráficas (Cambuci - SP), isso não pago pela empresa e sim por conta própria. Pra conseguir uma vaga no Senai não era muito fácil, devido ao grande interesse que muitas pessoas tinham em aprender, artes gráficas estava no auge e ganhava-se bem comparando com outras profissões.

Fiz curso de compositor manual (tipógrafo-paginador), impressor minervista e linotipista, aliás, linotipia já estava em declínio, mas por que não aprender. Apesar de surgir outro sistema de composição gráfica, o teclado desta máquina tinha semelhança com a máquina de escrever, o que facilitou o aprendizado.

Lendo um jornal, vi um anúncio, "Precisa-se de tipógrafo", logo pensei: a "IPISIS" tem as suas instalações na Rua Lício de Miranda - Vila Carioca - Ipiranga - SP, fica próximo de casa, não custa fazer um teste e quem sabe vou ganhar mais do que ganho na empresa que trabalhava. Enfim, não deu certo o que pensei, fiquei onde estava trabalhando, Tipografia Aurora, empresa vinculada ao "Instituto Monitor Rádio e Televisão".

Mas falando da cartilha, que país é esse, que quando as coisas dão certo resolvem mudar, simplesmente descartam, excluem. Assim é o nosso Brasil.

O que aprendi no ramo gráfico foi fundamental para digitar textos usando um computador, lidar com fotos e estéticas, daí virei internauta, compositor de letras musicais. Enfim computador passou a ser a mais nova ferramenta de trabalho.

Qui scribit, bis legit "Quem escreve, lê duas vezes"

Ipsis litteris é uma expressão do latim.

Tangerynus
Enviado por Tangerynus em 22/03/2011
Código do texto: T2864334