Como limpar uma ficha

Pegue um voto, um voto só. Tudo dentro da lei. Utilize o princípio da anterioridade, esquecendo de princípios menos objetivos como honestidade, probidade, sinceridade, civilidade, integridade. Pronto, quem deveria ser inelegível, ou seja, não teria o perfil necessário para cuidar da coisa pública, fica imediatamente apto a cuidar de qualquer coisa, pública ou privada. E o que se faz na privada não interessa a ninguém, não é mesmo?

De posse de uma ficha limpinha e asséptica, recendendo a higiene como um lençol recém lavado de hospital (privado), pode-se ir corrompendo e sendo corrompido à vontade. Esqueça o bem comum, dê de ombros ao futuro do país: sabemos que estamos aqui para nos dar bem, apenas isso. Deixe que os manés continuem cultivando suas hortinhas, enquanto vamos incrementar nossa monocultura mecanizada – hectares e mais hectares de ervas daninhas, o suficiente para abastecer o país de descaso por muitas gerações.

Descubro que faço parte de uma classe extremamente privilegiada em meu país, por ter curso superior; também porque tenho trabalho, no caso um minúsculo escritório que mantenho a duríssimas penas. Sou classe média que não sonega impostos e, pelo contrário, paga religiosamente seus compromissos com os governos municipal, estadual e federal, atirando no esgoto voraz da corrupção valores que quase inviabilizam minha atividade econômica. Mas hoje me vejo pertencente à mais baixa classe social de qualquer grupo humano da antiguidade: a dos escravos. Sinto-me escrava de um sistema político corrupto desde a base, que nem mesmo a tentativa de votar conscientemente modifica. Onde está a Princesa Isabel, quando se precisa dela?

Na verdade hoje me sinto apenas impotente... tão impotente que Viagra nenhum no mundo, nem mesmo em doses cavalares, daria jeito.