A GRATIFICANTE ARTE DE COMPRAR LIVROS ANTIGOS

Estou sempre a procura de um livro de poemas. No meu pensamento pululam poetas que gostaria de ler os seus poemas no exemplar de uma edição de suas “poesias completas” ou num livro editado em Vida, até póstumo do poeta. Claro que o tesão maior é ler os poetas na ortografia original, aquela do tempo em que viveu e escreveu seus poemas e se possível, numa 1ª edição.

Tem poeta que é praticamente impossível de se achar sequer um exemplar de um livro de poemas escrito por ele. E não são poucos que assim ocorre. As vezes vemos um exemplar à venda na Estante Virtual (um site de venda de livros que engloba milhares de livreiros e milhões de livros), todavia, nem sempre o preço pedido nos cabe no bolso. Algumas vezes, o livreiro não sabe nada sobre o autor, porém, o autógrafo, a 1ª edição, a pequena tiragem, a editora, o ano da publicação, a encadernação especial, os exemplares em papel especial numerados com a rubrica do autor, o estado de conservação e outros fatores menores mantém o preço alto. Tem casos que o estado do livro é bem deteriorado, pode faltar a capa e/ou páginas, ter furo(s) de traça, páginas manchadas e/ou amareladas, páginas soltas e/ou coladas com fita transparente, lombada solta, etc. entretanto, se temos todas as páginas com o conteúdo do livro e a leitura não é prejudicada, sendo uma raridade num preço acessível, vale a aquisição deste exemplar para leitura dos poemas de um grande poeta.

Eu, por exemplo, vivo a procurar livros de poetas simbolistas. Tenho um conjunto significativo de livros deste período literário, todavia, me faltam alguns poetas expressivos desta escola literária. Uma percepção que tenho é que o Parnasianismo foi mais forte editorialmente do que o Simbolismo. Foram mais editados os poetas parnasianos do que os poetas simbolistas e certamente aqueles, mais engajados no mercado editorial de massas (pensando no leitor do final do Século XIX e início do Século XX) do que os poetas simbolistas. Lembremos que muitos dos poetas das duas escolas literárias publicaram neste período de duas décadas no Brasil (entre 1890 e 1910), alguns se mantendo fiéis às duas escolas clássicas mesmo com o surgimento da Poesia Moderna. É comum reedições de obras completas ou de livros dos poetas parnasianos na época do apogeu do Parnasianismo; já reedições de obras completas ou livros dos poetas simbolistas, não. Então se constata que é mais caro um livro de poemas, editado em vida dos poetas simbolistas do que dos poetas parnasianos. Quanto menos editado e em edições com menos exemplares mais caro o livro do grande poeta fica.

Talvez, a temática, a vida mais marginal e mais obscurantista dos poetas simbolistas, o texto de maior subjetividade, sugestividade e complexidade do Simbolismo tenham sido entraves para a edição mais frequente de livros dos poetas desta escola literária, certamente, a mais pungente escola literária no campo da Poesia brasileira, com obras de inquestionável valor, como a dos poetas: Cruz e Sousa, Alphonsus de Guimaraes, B. Lopes, Da Costa e Silva, Emiliano Pernetta, Dario Vellozo, Eduardo Guimaraes, Francisco Mangabeira, Pedro Kilkerry, Maranhão Sobrinho, Jonas da Silva, Padre José Severiano de Rezende, Emilio Kemp, Zeferino Brazil, etc. Excetuando ainda toda uma gama de poetas que poderíamos colocar como pré-modernistas ou românticos tardios que não são classificáveis nem como parnasianos nem como simbolistas, transitando em muitos casos entre as duas correntes, que também, foram pouco editados em vida.

Lembremos que grandes poetas desse período da Poesia Brasileira nunca editaram seus livros de poemas em Vida como é o caso do poeta catarinense Oscar Rosas, pai do poeta Ernâni Rosas (este, atualmente resgatado e lido com admiração); de Fiúza de Pontes, poeta cearense que deixou material pronto, de grande valor os poucos sonetos dele que li, para ser editado e desconheço se tiveram o cuidado de publicá-lo e Padre Antônio Tomás, também cearense, um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos, que deixou em testamento a ordem de que não fossem jamais publicados os seus versos (este poeta tem um estudo feito por sua sobrinha datado de 1950, que relata sobre a sua Vida e contém parte de sua Obra compilada nele).

Sou uma pessoa atenta. Comprar bons livros não é tarefa fácil. Precisa-se estar informado da relevância do poeta, saber de suas obras e anos de edição. As vezes compensa comprar uma 2ª edição de um livro, porque foi revisada pelo autor; outras vezes é melhor comprar as poesias completas numa 3ª, 4ª ou outra edição, porque se acrescentou novos poemas, compilados posteriormente à última edição no mercado e apresentando correções feitas em vida pelo poeta. O ideal é buscar edições que obedeçam a ortografia do tempo da escrita do poema, isto se o poeta não o revisou em uma edição posterior já adaptada à nova ortografia.

E por que comprar livros de poemas com a ortografia original do tempo do poeta é valioso? Porque a sonoridade de algumas palavras é modificada com uma nova ortografia vigente: ao mudar a forma como são escritas muda-se a pronuncia de algumas palavras. O exemplo clássico para a Poesia é a palavra cálice – trissílaba, que antigamente, se escrevia, somente assim: cálix - dissílaba (ainda aceita hoje). A simples correção ortográfica de cálix para cálice pode alterar a métrica, o ritmo e a rima do verso, afora a sonoridade modificada e alguma figura de linguagem que possa ter sido empregada pelo poeta em seu poema acabar-se por perdida, etc. Por isto manter a última ortografia aceita e revisada pelo poeta em seus livros é ideal. É justo dar preferência a livros que o editor manteve a ortografia aceita e revisada pelo autor, o que nem sempre é possível, quando a edição dos seus poemas é feita após sua morte e o editor é quem decide, preferindo, quase sempre, a ortografia do tempo de publicação para ser mais “vendável” a obra.

Outro ponto importante é estar em constante busca pela internet e nos sebos dos livros sonhados, conhecendo os sebos dos diferentes bairros e do centro das cidades que os tenham, facilitado para mim, por morar na cidade de São Paulo, que tem o maior acervo de livros antigos, raros, usados para serem adquiridos por um colecionador de livros brasileiro. É fato. A obra que você procura não escolhe lugar, vai aonde algum livreiro está e pode haver mais de 1 (um) interessado por ela. “Bobeou, dançou!” Muitas bibliotecas são desfeitas em segundos, por preços irrisórios em sebos do Brasil inteiro e seu livro tão sonhado pode de uma hora para outra estar num canto de uma estante num inimaginado local deste imenso país.

É triste ver coleções inteiras sendo desfeitas, nos sebos sendo levadas e depois vendido unitariamente cada livro. Muitos familiares de nomes renomados de nossa Cultura, certamente, não tem amor aos livros e a leitura, e a oportunidade (muitas vezes estas pessoas sequer sabem o valor sentimental e de conhecimento e cultura dos acervos que estão a vender - nem financeiro sabem) de ganhar um dinheirinho extra os faz levar os livros para um sebo. Alguns negociam até a Biblioteca Completa de intelectuais e amantes de livros do Brasil com livreiros, tem casos até que vendem em leilão. Claro que em alguns casos os livros são vendidos por necessidade financeira, até do colecionador, mas é exceção.

E nós compradores de livros? O que fazemos nesta hora especial da venda de um acervo, uma coleção ou uma biblioteca? Ficamos atentos, visitamos regularmente os sebos e trazemos para casa, na hora certa, aquele tão sonhado exemplar autografado: quando se tem o preço justo, certamente, que sim. E se o preço foi legal com um sorriso atrás das orelhas (risos). Sentimo-nos reis neste momento.

Eu fui, por exemplo, um “interceptador” da Biblioteca de um Poeta que viveu na cidade de São Paulo chamado Manuel Inacio dos Santos Vaz. Sua biblioteca de inestimável valor foi vendida ao Sebo do Messias. Eu com meus parcos trocados fui comprando diversos livros da coleção do poeta. Livros de ótimos poetas, bem cuidados e com encadernação de capa dura.

Já estou nesta batalha/garimpagem há mais de 10 anos e consegui boas compras de livros. Até exemplares autografados que pertenceram à Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia, Hebe Camargo, Artur da Távola (recentemente falecido), etc. Claro que o principal de tudo foi ter ampliado o meu conhecimento poético, lendo os livros dos grandes poetas brasileiros, de todos os tempos literários e assim, aprender a enxergar com olhos mais apurados os poemas dos poetas e até saber garimpar autores de expressão: esquecidos da crítica literária e lê-los.

Tudo precisa de um começo. Quem quiser ter uma coleção de livros de Poesia ou qualquer outra coisa precisa perseverar, jamais se desligar do mundo das oportunidades, se informar do que é valioso e optar por uma diminuição de gastos em muitas coisas em prol de sua coleção. E se sujeitar a poeira das prateleiras dos sebos, sabendo que o pó pode se espalhar entre os dedos, as mãos, o corpo, adentrar pelo nariz e ir se acostumando com a roupa, que acaba suja. São os “ossos do ofício” (risos).

Eu sou feliz nesta minha empreitada em prol da Poesia Brasileira e da compra dos livros dos Mestres de nossa Poesia para leitura e aprimoramento de meus conhecimentos poéticos. Estou na luta, uma luta continuada. Comprei até um livro que, talvez, não foi publicado como estava, porque a autora, fez inúmeras correções nele, antes que verdadeiramente fosse posto à venda. Deve ser uma amostra do trabalho gráfico final que a poeta Colombina recebeu da editora e a autora resolveu corrigir diversos poemas do livro. Quem sabe se não estamos diante de correções que nunca foram feitas no livro posto à venda. Tem uma estrofe inteira riscada de um poema, título novo para um soneto, verso refeito, etc. Certo é que só houve 1 (uma) edição do livro* e não tenho a edição publicada. É gratificante demais...

Enfim, hoje tenho mais de 400 livros de Poesia em casa. Se for contar que muitos são obras completas/poesias completas dos poetas englobando todos os livros por eles escritos dá muito mais de 1000 livros. E livros escolhidos com cuidado, buscando a qualidade literária na aquisição, e nunca pensando na quantidade de obras adquiridas. Livros que pretendo doar em vida, se Deus assim permitir, para a Faculdade de Letras que estudei. No tempo que eu considere certo. E uma coisa eu garanto: nenhum sebo ou livreiro será agraciado com meus livros.

Abraços,

Recantistas queridos,

Alexandre!

* informação obtida em “Casa do Poeta 'Lampião de Gás'” site que traz informações sobre a vida e a obra da autora:

http://casadopoeta-lampiaodegas.blogspot.com/2009/01/yde-schloenbach-blumenschein-e-sua-obra.html