Péssimo Humor

O dia começa marrom, mesmo que esteja um sol irritantemente brilhante no céu pavorosamente azul.

É assim o prenúncio do que virá, para alguém que acorda de mal humor. Especialmente os patológicos.

No trânsito, todos andam menos o que está com o seu dia nublado. E gasta-se todo o estoque de xingamentos e desacatos. Chega-se no trabalho. Sempre haverá aquela secretária cujo bom humor eterno é praticamente uma afronta. Reza-se para que ela não veja que se chegou, mas não adianta. Vem então o estridente e sonoro: “Bommmm diaaaaaa”!. E isso cai como uma bomba.

Como as regras sociais exigem uma resposta, força-se os músculos da face para um sorriso amigável, e se responde por entre os dentes: “Para você também”.

O dia caminha, totalmente conspirando contra quem está num péssimo momento. O trabalho triplica de volume, o chefe está especialmente exigente e ameaçador e o relógio insiste em não mudar os ponteiros do lugar. No almoço, há tudo aquilo que se detesta. E engole-se qualquer coisa. E o pior, é que a mesma secretária da manhã, resolve sentar-se ao lado do mal humorado, para contar sobre a novela da noite anterior, e sobre o namorado que conseguiu em Arroio Chuí. Onde, diabos, fica Arroio Chuí?

O dia termina sempre com algum acontecimento cuidadosamente planejado pelo destino. Um retrovisor quebrado, ou uma perna torcida, ou um café derramado na roupa.

Para piorar a situação, à noite vem a insônia. Todo o café tomado durante o dia, finalmente faz efeito, e vira-se na cama como um bife na frigideira. Melhor contar carneiros. Mas estes se transformam em mulas empacadas e se recusam a pular cerca. Pensar em águas calmas no início até que dá certo, mas depois, têm-se a impressão que o Jason está no fundo do lago. Que medo.

Aí, já são 4 horas da manhã. Melhor tomar o remédio para dormir. E quando finalmente o sono chega, o despertador toca. É quase uma das trombetas do apocalipse. Melhor levantar-se e enfrentar o dia. Um dia de péssimo humor, com certeza.

Não pense que as pessoas mal humoradas odeiam a vida. Não mesmo. A vida é que não da folga para elas. Custaria tanto ao mundo evitar o “bom dia” estridente, ou ter uma via exclusiva para mal humorados no trânsito? E essa história de limpar a mente e transcender? Certamente, os mal humorados já transcenderam o limite da paciência. Isso sim.

Uma coisa é certa: mal humorados têm poucas chances de crescerem. Tanto profissionalmente quanto pessoalmente. Nada é mais antipático que pessoas que vêm o mundo com lentes marrons. Mas em tempos de politicamente correto, talvez o termo nem seja “mal humorado”. Talvez seja “Escritor frustrado”, ou “Emocionalmente complexo”, ou ainda “Chefe”.

Claro, há uma função no mundo para todos. Pessoas com perfil de humor oscilante, se dão muito bem em recepções de hotel 5 estrelas, ou críticos literários ou modelo de passarela. Imagine se em alguma dessas profissões, alguém fosse bem humorado. Acabaria com a magia (negra) do que elas propõem! É impensável uma modelo atravessando uma passarela, com um sorriso franco estampado no rosto. Certamente, não venderia nem um chinelo.

Há que se convir, que o mal humor tem muito a ver com o mundo atual. Tudo é estressante demais. Exige-se demais das pessoas. E quando não conseguem atingir suas próprias metas, ficam frustradas, não suportam a alegria alheia, e querem de toda forma não ter contato com ninguém.

Se você, tem dessas crises, melhor procurar ajuda. Mas se fica mal humorado apenas uma ou outra vez, como eu, melhor tentar tirar um pouco de vantagem disso. Afinal, se tem uma coisa que o ser humano sabe bem, é auferir valores de seus percalços.

Uma boa idéia, é dizer que seu mal humor se deve aos conflitos mundiais e à bizarras taxas de juros brasileiras. Seu mal humor será confundido com engajamento político. Se disser a cara fechada se deve a um problema de baixa produção de cortizona, muita gente pensara que é uma doença rara, e pode ser que façam até uma vaquinha para pagar a sua operação.(Sim, alguém com certeza irá pensar que isso se resolve com uma operação). Você pode ainda dizer que está de mal humor porque sua sogra veio morar com você. Certamente, ameaçados por essa terrível possibilidade, os outros também ficarão de mal humor.

Por fim, diga que não está de mal humor. Diga que está apenas sério, pois está escrevendo um ensaio sobre o mal humor. Todos pensarão que você é um escritor que vive o que escreve. E como não é bom alimentar nem escritores nem animais de zoológico, todos te deixarão em paz.

EDUARDO PAIXÃO
Enviado por EDUARDO PAIXÃO em 10/11/2006
Código do texto: T287558