Quando o silêncio fala

Olhava distraída pela janela do carro enquanto ele apenas dirigia. Nada lhe incomodava mais do que o silêncio, o dele principalmente. Sentia que não era apenas a ausência de palavras, aquele silêncio solitário despertava-lhe medo; medo de escutar seu próprio caos interno, sentimental. O fato de ele nada dizer a deixava pensando as mais variadas possibilidades de insatisfação; claro, as dele. Satisfeita ela estava. Incomodada também.

Ainda contemplando estupidamente as ruas e postes que falsamente iluminavam o caminho, esperava desesperadamente que algum assunto surgisse e lhe tirasse aquelas incertezas acerca de sua importância naquele relacionamento que ela custava a conquistar. “Por que isso agora? Não sou insegura assim”. Tentava lhe convencer de que nada acontecia e, muito descrente, pensava que essa angustia logo desapareceria e ficaria apenas a lembrança de algo que surgiu, mas, nunca chegou a ser uma realidade. Assim ela esperava!

Deu um suspiro profundo e inconsciente. Sem mais reações, ela procurava não demonstrar nenhuma expressão, seu olhar apenas se perdia nas gotas da chuva que acabava de começar. Nem o barulho que o cair da água fazia era maior que o silêncio dele. Era sufocante, dramaticamente desesperador...

Sentia o coração bater no peito num ritmo assustador. “Será que ele percebe, pelo menos, a minha presença aqui?”. De vez em quando ela se permitia olhar para ele, calma e discretamente. Ele apenas seguia seu rumo. Nem as paradas nos semáforos eram suficientes para algum assunto surgir.

Subitamente, com uma coragem desesperada, ela toma fôlego, permitiu que seus sentimentos transparecessem através de seu rosto, e deixou algumas palavras surgirem quebrando aquele silêncio eterno e pesado. “Está tudo bem?”. Ele olha para ela e sorri. “Sim”. Ela volta os olhos para fora da janela, como alguém que procura a realidade fora de si mesma, com medo de encarar situações que podem ser maiores do que sua própria defesa. “Que pergunta idiota”, pensou.

Sem entender direito sentiu o perfume dele mais forte, embriagando sua lucidez. O toque nada intencional da mão dele em sua perna pareceu mais carinhoso... Com um desejo bastante óbvio de acertar aquilo que ela assegurava não estar bem, olhou para ele, agora com lágrimas nos olhos e abriu os lábios com a intenção de lhe questionar aquilo que achava não ser capaz de escutar e ainda manter-se em pé. Mas, antes mesmo disso acontecer, correspondendo o seu olhar, ele disse: “Eu te amo e quero que nosso relacionamento seja eterno”. Ela sorriu, depois, sem graça, deixou que a alegria a contagiasse – disfarçadamente, pois não queria admitir que acabara de escutar o que esperava profundamente.

“Como ele sabia desde o primeiro momento o que me inquietava?”. Calada, com pensamentos congelados e coração aquecido, colocou a mão na perna dele (costume dela quando as coisas iam bem) e deixou que a ausência de conversa continuasse... Percebeu que o silêncio realmente dispensa palavras, mas também as forma, no exato momento em que elas têm que surgir...

Sheila Liz
Enviado por Sheila Liz em 28/03/2011
Código do texto: T2875725
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