Telemarketing: Etiqueta é etiqueta, grife é grife!

- Bom dia! Estou falando com o senhor Fulano de Beltrano e Sicrano? (E tascou-me o meu nome completo com pingos e acentos.)

- Ele mesmo, pois não. (Respondi quase ingenuamente e, convenhamos, esse 'quase' aí é uma mera concessão à minha auto-estima que teima em não me considerar uma besta.)

- Ótimo! Aqui é o Fulano, do Banco X. (Não vou dizer qual, tirem o cavalinho da chuva.) Sei que o senhor não tem tempo a perder, mas eu queria apenas um minutinho da sua atenção, pode ser? (O desgraçado falava rápido e bem – impossível não entender ou fazer de conta que – e tinha uma conotação entre educada e guei ao fim das frases, o que, sinto dizê-lo, despertou minha imediata simpatia.)

- Bem, se é só um minutinho, como você diz, porque...

- Ah! Que bom! (Disse ele interrompendo muito educadamente a minha fala) - O senhor poderia me dizer se o seu atual cartão de crédito... O senhor tem mais de um?

- Não, só tenho um... (Antes de terminar a frase senti que tinha entrado bem, mas pensei com meus botões: vá lá que seja, ouvir não dói e, pelo menos, este gajo parece que foi operado da síndrome gerundiva.)

- Ah! Muito bem! E o senhor está pagando anuidade através do cartão? (Opa! Não se pode nem pensar em elogiar! Ninguém paga anuidade 'através do cartão' a menos que seja um cartão perfurado – tipo aqueles IBM dos primórdios da informática. Pensei: não posso perder essa deixa e entrei de sola).

- Posso interromper você só um momentinho? (Vejam como a gente aprende logo a ser um canalha de carteirinha! Mas, como era ele quem tinha começado com a canalhice, inevitavelmente...)

- Mas é claro... Esteja à vontade... Qualquer coisa... É um prazer atendê-lo! (Esse miserável tem que ter aprendido isso em alguma pós-graduação nas "Ciências de como enrolar o próximo por telefone", pensei, isso não pode sair assim pronto e acabado desse jeito da cabeça dele! Mas, não me dei por achado e fui fundo.)

- Você quer me vender um cartão? É isso? (Fiquei radiante comigo mesmo pensando: agora te peguei cavaquinho, você vai ter que mostrar as cartas!)

- Certo, certo... (Concordou com a maior cara de pau! E continuou, como se nada houvesse:) Com o cartão do X o senhor não vai pagar nenhuma taxa. Nos três primeiros meses...(Notem a canalhice recidiva como um tumor maligno: 'o senhor não vai pagar nenhuma taxa' – ponto; 'nos três primeiros meses'. Viu, idiota? Ah! É isso então: durante os três primeiros meses há isenção de taxa. Entenda direito: três meses de isenção! O resto da vida você paga, claro. Mas tem um detalhe, ainda: você não paga taxa SÓ E TÃO SOMENTE se usar o cartão. Caso você não fique devendo uma boa grana no cartão... Bem, se você não vai usar o cartão, para que é que o banco vai te dar um cartão?)

Bem, para não abusar da tolerância de vocês, vou abrir aqui um parêntese.

Em primeiro lugar para explicar que essa estória do cartão me aconteceu agora a pouco, aqui na praia e que, normalmente, aqueles que ligam para mim aqui nunca são desconhecidos. Mas, tem uma coisa: se eu tivesse gravado essa ligaçãozinha, coisa que os bancos fazem ou fingem que fazem direto e reto, tenho certeza que a gravação não seria mais fiel nem mais nítida do que a memória que me ficou dessa conversa. Podem estar certos disso: ninguém pode ser imune à praga do telemarketing e eu, obviamente, não sou exceção.

Mas, em segundo lugar, quero usar este parêntese para lhes ensinar esta única e escassa regra que aprendi já nem sei onde nem com quem: Se você for apanhado por um telefonema indesejado, na primeira oportunidade desligue ou, como dizíamos antigamente, 'ponha o fone no gancho'. Apenas tome, por educação, a cautela de desligar enquanto você mesmo esteja falando. Caso o infeliz volte a ligar, repita o mesmo processo: desligue enquanto você estiver falando. Tantas vezes quantas forem necessárias. Até o seu interlocutor 'se tocar' e desistir. Ele jamais poderá suspeitar que a entropia (opa!) que caracteriza essa repetida falha na comunicação esteja sendo provocada por mera questão de etiqueta.

E, por último, para lhes dizer que ao fim e ao cabo da estória do cartão acabei mesmo foi por desligar o telefone enquanto o 'educadinho' continuava tentando me embromar.

Surgiu a parte rudemente lusitana do meu DNA.

É isso aí: etiqueta é etiqueta, grife é grife!

(Crônica originalmente publicada em 23/10/2010 no Blog http://lucabarbabianca.zip.net)

luca barbabianca
Enviado por luca barbabianca em 03/04/2011
Código do texto: T2886711
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