À turma dos afazeres inventados

É domingo à noite e sou chamada por uma amiga no MSN. Ela se diz surpresa por me ver na internet a esta hora, mas a surpresa é mais minha. A pessoa que me clica tem uma vida pra lá de frenética e nem aos descansos dominicais pode se entregar. “É muita correria por aqui. Família, igreja, atenção ao filho, marido!”. Durante a semana, então, quando nos falamos é só um “Olá” rapidinho, para diminuir a distância, e pronto.

Do lado de cá, o oposto: dia completamente à toa, ou melhor, li o domingo todo; no fim da tarde, parei de ler para escrever. E por aqui fiquei. Ela conversou pouco, porque precisava, de novo, dar atenção ao filho. Iria assistir a um desenho com ele. Interrompi o que estava escrevendo para falar desta tal correria. Penso que não são as atividades do dia a dia que consomem o homem; ele, sim, é quem consome as atividades. Parece que tem urgência de estar sempre fora de si, pois deve dar conta de tudo o que é externo. E acaba não suportando um pouco de paz e silêncio. Vicia-se no cotidiano de agenda cheia a cumprir e se torna incapaz de desligar.

Meus dias de segunda a sexta também são incomuns. Não tenho um emprego de 7 às 17h, do qual se sai quando o expediente acaba, vai para casa, toma banho, janta e vê TV até dormir. Há coisas diversas a fazer, às vezes tenho quase que estar em dois lugares ao mesmo tempo, e ainda encontrar uma brecha para cuidar de mim, hábito que quase não cultivava antes do câncer. Quando relaciono ao terapeuta as dezenas de assuntos que precisaria organizar para levar ao set, sempre levo um puxão de orelha: “Esqueceu de você, de novo”. Argh!

Porém, ao ver minha amiga perguntar “Domingo não é corrido pra você?”, pude, relaxadamente, dizer que não. “Faço milagres durante a semana para ficar assim, de pernas no ar e poder ler, escrever, sem preocupação”. É, sim. Há finais de semana em que ainda agarro: uma revisão trabalhosa, um roteiro atropelado, e lá se vão sábado e domingo, que quase não penso em comer ou namorar.

O câncer de mama me parou, me obrigou a estacionar, desligar os motores e dar um up grade na máquina. E aprendi que quando a gente não para, o corpo para a gente. Hoje é fácil enxergar de forma clara e satisfazer esta necessidade e quando vejo amigos pilhados com afazeres inventados, não sei se acho graça ou se me mobilizo a tentar ajudar de alguma forma, opinar, aconselhar (ah, que chato isso). Só sei que depois de um custoso exercício, me faço parar sem culpa, sem me obrigar por motivos que, se analisados bem friamente, não têm importância. Aliás, já disse que o câncer também me ensinou que nada tem importância. E não tem mesmo.

Giovana Damaceno
Enviado por Giovana Damaceno em 04/04/2011
Código do texto: T2888783
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.