Caiporices em série

Aconteceu que Maria cismou que eu conhecesse seus pais. Não teve outro jeito, tive de aceitar. Como sabia que meu sogro era formado em Gastronomia, presumi que tinha muito mais propriedade para escolher o local de nos encontrarmos. Ele escolheu o restaurante italiano mais caro de São Paulo. Também pudera, era eu quem iria pagar.

Chegou o bendito dia, às sete horas da noite eu deveria estar no Terraço Itália. Quando estava a dois quarteirões do restaurante, um maldito motoqueiro em uma velocidade muito além do conveniente tentava se espremer como uma enguia por entre os carros, quando passa por mim e arranca meu retrovisor. Olho no relógio. Quinze minutos para ás sete. Desço, converso com o cara, ele me passa seu cartão. Resolvido. Volto-me para o carro, começa a chover. Molho-me todo. Ainda assim, não podia desistir do encontro.

Entro no carro, tiro o paletó Hugo Boss legítimo que acabara de ser destruído e dirijo até o lugar marcado. Sigo pela fachada frontal do lugar e um atendente vem ao meu encontro. Pergunta-me meu nome, digo e ele me leva até a mesa. Estava atrasado em quarenta minutos. Maria, com aquele olhar perfurante parecia que queria me espremer até a última gota de seiva, um olhar transbordante de raiva.

Peço desculpas, mas não passo em branco. Meu sogro, com um comentário que tentou disfarçar de despretensioso diz que um homem de respeito não se atrasa em seus compromissos. Não obstante, me pergunta o porquê de eu estar molhado como um cachorro de rua e exalando o perfume do dióxido de carbono das ruas de São Paulo. Conto minha história, ele ri da minha desgraça. Depois do breve instante de satisfação, chama o gerente, pede desculpas por minha aparência incoerente com a situação e me pede um paletó, pois eu poderia me sentir mais confortável. Eu odeio paletós.

A conversa nos ocupa por um tempo, tivemos toda aquela história de apresentações, interrogatórios sobre meu passado, e entre uma risada irônica e um comentário cretino que meu sogro tinha o prazer de despejar, a comida chegou. Parecia perfeita, se eu não tivesse intolerância a lactose.

Pães, risotos, biscoitos de leite, requeijão, e isso tudo só como entrada. Eu não podia dispensar, afinal, estava pagando. Até que chega o prato principal. Para meu horror, meu sogro havia pedido um macarrão com molho quatro queijos acompanhado de um risoto e alguns Canelloni (comida típica italiana, a base de pão e queijo). Era o paraíso da lactose, e o inferno para mim.

Primeiro vieram as tonturas. Em seguida, as flatulências e os seguidos arrotos. Não que eu os desejasse, mas não podia me controlar. Os gases fluíam e logo o odor bastante desagradável se espalhou. Maria levanta da mesa, me chama de troglodita, diz que não tenho o mínimo de ética e moral. O gerente do restaurante vem, e pede que eu me retire do ambiente, pois não estava seguindo os padrões que um cliente de classe deveria ter, e que se eu não saísse, a segurança se encarregaria disso.

Levanto da mesa, viro as minhas costas e saio. Quando chego perto da porta da saída, todos me olhavam, alguns riam, outros cochichavam entre si. Ouço uma voz me chamando. Era meu sogro. Aliás, meu ex-sogro.

- Adorei te conhecer, meu rapaz, espero que possamos nos ver de novo. Ah, antes que eu me esqueça, você esqueceu o dinheiro da conta. – ele diz, com o sorriso irônico e divertido estampado na boca.

Que dia infernal. Perdi minha namorada, meu Hugo Boss, meu retrovisor, fui humilhado pela alta classe paulista e ainda paguei mil e duzentos reais por uma comida que só me deu flatulências e arrotos em abundância. Tudo isso por culpa da lactose. Que seja.

Pelo menos ainda tinha o conforto do meu lar. Tinha. Entraram na minha casa enquanto eu estava fora, levaram tudo que pudesse ser trocado ou vendido.

Se existe um ser humano mais azarado do que fui naquele dia, eu não sei. Mas que me senti o pior tempero do mundo nas mãos de um mestre de cozinha, ah, isso eu tenho certeza.

Iago Silva.