Babel de feições

Babel de Feições

Um dia desses saí do meu distrito e fui fazer uma visita a uma pessoa muito querida que se encontrava na capital do meu estado. Não me são comuns viagens assim, mas pela causa valeria o importuno. Fui de transporte intermunicipal coletivo. Detesto dirigir em cidades movimentadas. Você deve saber como são estas cidades. O pesadelo dos motoristas. Especialmente para mim. Um motorista de poucos quilômetros e de ruas tranqüilas.

A ida foi tranqüila. O coletivo para ao lado da minha casa. Quer conforto maior que esse?

A visita poderia ter sido melhor, não fosse o sobe e desce dos coletivos circulares e a tensão da atenção aos sinais de pare e siga para os pedestres.

O retorno foi um alívio. Voltar a casa é muito bom... Porém um último teste de paciência. Cheguei à rodoviária às quinze horas e o “meu” ônibus tinha horário para as dezessete e trinta.

A primeira hora de espera voou. Estava acompanhado por meu neto e minha filha e nem me dei conta da passagem do tempo. Felizmente! A outra hora e meia é que foi triste!

Sentei-me estrategicamente de frente para a área de circulação do lugar e para um relógio. Desses grandões que se dependuram da estrutura do teto e que, imediatamente, hipnotizou meu olhar, segundo a segundo, quase me levando à submissão total. Dezesseis horas, cinco minutos e... Um ruído à minha frente me salva da fatal e tediosa entrega. Desviei o olhar e comecei a ver...

Em princípio me ative em observar a movimentação das pessoas. Observação mecânica e despretensiosa.

Depois me ocorreu uma revelação: aquele seria o lugar mais exato para ratificar a existência de Deus e Sua influência na criação. Pessoas e natureza se harmonizando. Bem, o gerúndio aqui está até bem empregado... Acho que o verbo é que contraria a idéia. Vejamos: pessoas e natureza se integrando. Ainda que desarmoniosamente.

Então. Enquanto observava a movimentação das pessoas me concentrei, especialmente em suas bagagens e feições.

As bagagens eram diversas e interessantes. Algumas portáteis e aparentemente leves, outras incômodas (as tais malas sem alças). Legal mesmo são as malas de rodinhas. Essas são “maneiras” e caras. A maioria da população precisa mesmo é pagar passagem. Luxo... é luxo. Dá para viajar

sem. Mas voltemos às pessoas.

Depois da inspeção nas bagagens dos viajantes, levantei mais os olhos e comecei a observar as feições deles. Eram tantas e diversas. E variavam especialmente por causa da idade.

As crianças exibiam feições curiosas, descontraídas ou chorosas. Os adolescentes e os jovens tinham suas feições absortas, indecifráveis. O fone no ouvido se encarregava de dar o ar da expressão. Estar ali era apenas “chegar e partir”. Faz parte viver. Os idosos mantinham o olhar atento a tudo e, ao mesmo tempo, ao nada. Muitos deles estavam acompanhados e conduzidos por alguém. Davam a impressão de que estar ali era apenas mais uma estação depois de tantas em que estiveram e de tudo que viveram. O que realmente chamou minha atenção foram as feições dos adultos de a partir de três décadas até a idade da preocupação constante, que é a faixa etária em que estou.

Além da bagagem que variava entre adequada e carrasco e da pressa dos passos, havia também as caras e caretas que denotavam as razões de estarem ali. A viagem que faziam não lhes despertava curiosidade nem prazer. Todo o tempo suas feições eram de preocupação, resignação e enfado. “Chegar e partir”, para eles, parecia ser apenas bater o ponto.

Observei não haver nenhum abraço nem choro nem arroubos de despedidas. Apenas um garotinho, em uma das saídas gritava tchau ao avô e me pareceu uma despedida carinhosa. No mais era somente chegar e sair.

Cada um com o seu motivo, com a sua bagagem, com sua pressa com sua feição peculiar.

Havia tempos que não via tantas caras num mesmo espaço. Uma babel de feições. A prova incontestável de que Deus é o criador. Cada ser, uma feição.

LUCINEIA GRUGIKI
Enviado por LUCINEIA GRUGIKI em 05/04/2011
Código do texto: T2890898
Classificação de conteúdo: seguro