DIANTE DO CIRCO DE HORRORES; PERANTE AS FACES DA ESPERANÇA

Penso nas crianças assassinadas por serial killer em escola do Rio de Janeiro e não encontro palavra para dizer.

Penso no psicopata causador desta tragédia e não encontro palavra para dizer.

Penso nos pais dessas crianças brutal e instantaneamente arrancadas de seu presente e de seu futuro, e não encontro palavra para dizer.

Penso em um País perplexo diante de mais um rosto do Horror e não encontro palavra para dizer.

Penso no filho assassinado de um amigo querido, de um amigo querido, o filho assassinado. Penso neste amigo querido a sobreviver para além de seu filho. Penso no assassino de seu filho, que continua impune. Penso, penso, penso, e não há palavra que lhe consiga dizer.

Penso nos mortos pelo tsunami e pelos terremotos no Japão, nos navios arremessados terra adentro, navios como de brinquedo. Penso e não há palavra que consiga dizer.

Penso nos pais que abandonaram, no hospital, a terceira filha recém-nascida, porque só queriam duas filhas. Penso e não há palavra que consiga dizer.

Penso na filha destinada a cuidar sozinha da mãe idosa, da filha a abdicar de qualquer ainda direito individual, enquanto seu único irmão, que mora na mesma cidade, sequer telefona, há mais de três meses, para saber como vão as coisas. Penso, penso, penso, e não existe palavra que a ela consiga dizer.

Penso no amigo que quer ir embora do Brasil, por desencantamento e descrença absoluta em seus rumos, nos rumos dele, Brasil. Penso no amigo que só quer partir daqui, para um utópico reino em país da Europa, utopia de que se sustenta à falta de qualquer outro sonho, ele, ser para quem o sonho tem sido sempre o pão primordial. Penso e onde a palavra que lhe consiga dizer?

Penso na mulher a pensar nos crimes sem corpo assassinado, nos crimes pelos quais se culpa e pelos quais sofre e pelos quais paga pena eterna, decretada em tribunal invisível, por juiz invisível, por corpo de jurado invisível, por testemunhas invisíveis, pena sem tempo de fim previsível. Penso, penso, penso e onde a palavra que a ela consiga dizer?

Penso no apocalipse anunciado e, ao que tudo indica, há tanto tempo já a se desenrolar diante dos olhos de muitos de nós – por enquanto apenas a se desenrolar - já a dizimar parte desta humanidade, a dizimá-la de múltiplos modos, uns imagináveis, outros, demasiados, até há pouco inimagináveis. Onde a palavra que consiga dizer?

Penso na Nova Jerusalém anunciada pela Bíblia, na Nova Jerusalém após o necessário, terrível tempo de higienização da Terra, da Terra neste momento já a se apresentar deslocada de seu eixo. Penso, sem palavra que consiga dizer.

Penso na solidão inalcançável de tantos seres sem palavra para dizer de si, para dar testemunho de si. Penso e queria encontrar palavra para lhes dizer.

Por fim, e como contraponto, penso nos seres que, esquecidos de si mesmos e vivendo apenas para cada pequeno gesto neste dantesco mundo, fazem de cada um desses pequenos gestos uma oferenda de amor aos outros seres, oferenda cotidiana e quase sempre anônima de pequenos grandes gestos multiplicados no comum dos dias, na busca de resgate possível do destino de tantos companheiros de Espécie, crianças e adultos desvalidos de pão, família, fé (...) enfim, de abrigos de toda natureza.

Penso nos trabalhos isentos de quaisquer atos escusos, isentos de egoísmos e de individualismos exacerbados. Penso no trabalho dos que ainda sustentam este mundo com seu idealismo “implacável”, com sua fé que não se deixa esmorecer jamais, heróis remanescentes nas escolas profanadas pelas drogas, nos hospitais sucateados, nas frentes de guerra de todo tipo, no voluntariado exemplar de outros tantos. Penso no trabalho muitas vezes a se desenrolar em formigueiros invisíveis, indestrutíveis – invisível é todo formigueiro -; penso na face da Esperança em suas faces, a face da Esperança possível, a face visível de Deus, e só me resta pedir-lhes, humildemente, a bênção, a benção para mim, para este ser tão minúsculo, tão perdido em múltiplos descaminhos, em egoísmos, em sonhos que já não cabem, em mistérios de cuja compreensão apenas urge desistir... para sempre.

A mim só resta pedir-lhes a benção, a estes tantos seres que põem em seu trabalho a marca visível da Vontade humana, manifestação visível da Vontade de Deus. Pedir-lhes a bênção e lhes agradecer, fundo. Agradecer, com a simplicidade que me faço e me torno possível neste instante. Simplesmente agradecer. Agradecer-lhes pela Esperança, pela Fé. Agradecer-lhes pelo Exemplo.

Zuleika dos Reis, na manhã e no início da tarde de 08 de abril de 2011.