CATAR FEIJÃO

Todo dia ao acordar a segunda coisa que faço é ligar o book. Depois ao banho para espantar a preguiça matinal e limpeza corporal. Café no boteco fedorento ou padaria. Não tem erro no café de padaria ou boteco que usam cafeteira com saco de pano. E sempre rola um papo legal com pessoas amigas ou desconhecidas.

O papo não foi nada bom ontem e hoje. Mas a vida segue seu curso como um rio. Mesmo que apareça uma barreira no percurso, o rio e a vida encontram caminhos para seguir em frente. A diferença é que o rio “tem” inconteste certeza de onde chegará mais dia menos dia; o mar. Infelizmente suas águas não chegarão ao destino como estavam no início da viagem. Em seu percurso estamos nós os homens, e sabemos o que fazemos com nossos rios e mananciais.

Engraçado. Acabou de me ocorrer que também não chegamos a nosso incerto destino com a pureza que tínhamos ao nascermos. Poluímos aos rios e a nós mesmos.

Ao voltar para meu cantinho vou ao book verificar email, ler sitos de notícias e naturalmente abrir o Recanto das Letras. Minha vaidade faz com que eu abra minha escrivaninha para ver quantos leitores visitaram meus escritinhos. Saciada minha vaidade vou ler os escritos das pessoas que admiro.

Todos os dias, e mais de uma vez por dia, eu procuro ver o que essas pessoas escreveram. São escritores e escritoras que leio diariamente. Nem sempre comento o que li. Na maioria das vezes não comento por não saber o que dizer. O não comentar não significa que não tenha gostado do que li. Penso que seja assim com a maioria dos recantistas.

Ler é um dos maiores baratos da vida. É muito legal. Hoje a senhora Anabailune levou muitos de seus leitores diários para uma viagem ao passado. Mais precisamente a cozinha de nossas infâncias. Lembrei da cozinha de minha avó “materna” em Realengo.

Lembrei do fogão de ferro. Fogão a lenha. Senti o cheirinho da cozinha de minha avó Philó. Final dos anos 50 e parte dos 60. lembrei também de uma tarefa que cabia a mim e a meu irmão em nossa casa. Catar feijão.

A mesa da cozinha era forrada com folhas de jornal. No centro era derramado o feijão saído de uma das grandes gavetas daquele armário de madeira. Essa turminha de hoje não acreditaria nas coisas que vinham misturadas ao feijão comprado a granel nas mercearias.

Depois de retirados gravetos, pequenas pedras, torrões de barro, insetos, grãos de milho e sabe lá mais o que, a quantidade de grãos de feijão era muitas vezes menor que pilha de sujeira. Nossas mãos ficavam da cor do barro.

Lembranças bobinhas, mas tão boas de serem lembradas. Eu me lembro de minha infância em Realengo. Mesmo que a maioria das coisas de minha infância eu tente esquecer.

Esquecer a infância em Realengo. Esquecer os infantes de Realengo. Esquecer a menina que teve a vértebra fraturada por tiro. Esquecer que essa menina passará seus dias de mulher adulta em cadeira de rodas.

Esquecer sermos feijões que precisam ser catados. Esquecer que entre nós há gravetos inúteis, insetos, torrões de esterco e sabe lá o que mais.







 
Yamãnu_1
Enviado por Yamãnu_1 em 09/04/2011
Reeditado em 06/10/2011
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