imagem:http://pastoraldamulherbh.blogspot.com/2011/01/oms-violencia-contra-mulher-e.html
 
Por mim, por nós...
 


               “Muita ingratidão tira a afeição”, dizia minha avó, justificando a atitude de uma conhecida sua, uma mulher que durante o enterro do marido demonstrava certo alívio. Vítima de maus tratos por toda a vida de casada ela fizera a opção de não ser hipócrita, chorando e se lastimando como costumam fazer as viúvas.
            “Muita ingratidão tira a afeição” dizia minha avó para duas outras mulheres que vieram comentar com ela o comportamento da outra. “Ser tratada como bicho a vida toda e agora fingir que ele era um santo? Ora, mas tinha graça...” e deixou as duas falando sozinhas.
            Lembrei dessa passagem com minha avó um dia desses, quando vi um “varal de horror” com fotos de mulheres espancadas, violentadas, divulgado num ato público denunciando a Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher promovido pela Marcha Mundial das Mulheres em Alagoas e outras entidades que defendem a causa.
               Quando eu achava que já vira de tudo e já havia me indignado o suficiente, as fotos do “varal do horror” me reviraram o estômago. Tanta maldade e violência gratuita me fazem pensar que  o que há de humano nos homens que cometem atrocidades assim é só a aparência.
                 É revoltante saber que os desentendimentos que acontecem em qualquer relação, por divergência de opinião ou por qualquer outro motivo acarretem sempre atos de covardia tais como agressões verbais, ameaças diversas, humilhações e constrangimentos e de crueldade como espancamentos, torturas físicas, queimaduras e psicológicas, como a privação da liberdade.
                 A impressão que me deu é de que ou os números da violência aumentaram ou as denúncias agora são também mais evidenciadas. Algumas diretoras e coordenadoras pedagógicas de escolas comentam sempre comigo que ouvem relatos quase que diários de estudantes comentando os espancamentos que presenciam em suas famílias. Meninas e meninos apavorados, mas depois de certo tempo, familiarizados com o clima de desrespeito e desamor que impera entre eles. E o silêncio é cúmplice da violência.
                  “Muita ingratidão tira a afeição”. Minha avó tinha razão e mesmo eu, menina ainda, pensei que também  que não ficaria triste em ver morrer quem “me maltratou” por uma vida.Hoje sei que certamente tira a afeição mas não tira do convívio...muitas famílias convivem com agressões até a morte do agressor ou de uma ou mais vítimas.
                    Banalizar a violência parece que virou regra. Enquanto olhava e me revoltava com as fotos do mural do horror pensei no abrandamento da Lei Maria da Penha publicada no início do ano pelo Supremo Tribunal de Justiça, um prato cheio para que os covardes continuem afiando sua perversidade com a conivência de quem deveria fazer cumprir a lei nesse país.
 
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Dos tipos de violência cometidos contra a mulher, a violência doméstica lidera o ranking dos Registros de Ocorrências Policiais. De janeiro do ano passado até o fechamento a última quinta-feira (17), a 2ª Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da Mulher (DEDDM), localizada no Salvador Lyra, registrou 474 denúncias.
De acordo com a delegada Maria Angelita de Lucena e Melo Sousa, a violência contra a mulher ocorre por uma série de fatores que, combinados, culminam nas atuais estatísticas. “Em primeiro lugar, temos a questão cultural muito forte, onde a maioria dos homens são criados com a idéia de que são ‘donos’ de suas mulheres e as tratam como ‘coisas’. O alto índice de dependência financeira das mulheres em relação aos companheiros é um fator que acentua esta posse masculina e contribui muito para que elas permaneçam no relacionamento, mesmo sofrendo agressões”, ressalta a delegada.
Segundo dados da 2° DEDDM, um dos fatores mais presentes nas ocorrências de violência doméstica é a presença, em quase 80% dos casos, de bebidas alcoólicas. “Normalmente, o acusado agride sob o efeito do álcool e por razões banais”, comenta a delegada.
Na Delegacia da Mulher desde março de 2008, Maria Angelita Sousa percebe que a violência doméstica em si não aumentou, mas sim o número de registros dessas ocorrências. “Apesar do número de denúncias não ser compatível com a realidade de casos existentes, a vítima está mais corajosa e lutando para fazer valer seus direitos”, afirma.
Para ela, o aumento das denúncias deve-se principalmente à grande divulgação da Lei 11.340/06, a Lei Maria da Penha, e seus benefícios. “A violência doméstica sempre existiu em grande escala, só que era omitida. Agora, o número de denúncias cresce constantemente, e acredito que crescerá ainda mais, pois noto que a cada dia há mais mulheres dizendo um grande ‘Não’ à violência”, enfatiza.
Fragmento de entrevista com delegada em Alagoas
http://www.ojornalweb.com/2011/02/21/apos-474-denuncias-em-14-meses-alagoas-reforca-enfrentamento-da-violencia-contra-a-mulher/