PROPOSTA DE JUSTINO

Justino, muito menino, correu o mundo. Era um garoto curioso e atrevido, sua coragem era desmedida e sempre andava em busca de aventuras, com uma grande agilidade no pensamento e nas ações ele ia desvendando os mistérios de sua intrépida adolescência. Muito cedo foi à luta e tornou-se homem também, ganhando a sua própria vida com redobrado e tenaz esforço.

O espírito bondoso de Justino, aliado a uma generosidade de coração era por todos reconhecido, ao mesmo tempo em que também seu ponto frágil a cair nas armadilhas dos aproveitadores de plantão, mas ele tinha algo que o protegia do crime, seu bom senso e a intuição para a prática do bem.

Passada essa fase das duras descobertas de sua frágil adolescência sofrida de menino que saíra do interior mineiro rumo a capital BH para ganhar um lugar ao sol, Justino, ao mesmo tempo que lutava pela sua sobrevivência se agarrava aos livros em busca do saber para ir ganhando forças nessa caminhada, como uma árvore que via suas raízes buscar o alimento nos lugares mais profundos onde a água e os nutrientes se escondiam, formando seu caráter reto e probo. Isso não o deixava muito flexível, mas ao contrário, o enrijecia pela procura e formação de valores sólidos e consistentes.

Nosso menino homem conheceu uma linda garota de nome Janete e por ela se apaixonou, vindo depois a casar-se com ela e formar uma família encantadora. Ele aprendera que deveria dedicar-se com esmero para que suas filhas e esposa tivessem todas as oportunidades de ensino e formação humana impecáveis. E assim o fez de forma a que elas pudessem depois, a qualquer hora, ganhar a sua liberdade, já com o lastro fecundo do conhecimento e visão apurada para a vida. Foi feliz nesse projeto e todas elas se destacaram na vida acadêmica e profissional.

No entanto, durante esses anos todos em que se dedicou à família, havia negligenciado, ele próprio, de continuar a investir nele mesmo e com isso foi perdendo terreno nessa casa de saber, sem poder com isso acompanhar o progresso que elas iam alcançando. Daí com o fosso, o vazio, a distância que os separava da prole e da esposa, foi forçado pelas circunstancias conflitais a tomar a decisão, depois de muito sofrimento e renúncia, a consumar a separação do seio familiar, embora tenha escolhido, de forma sábia a ficar residindo próximo delas, já não era mais a mesma coisa porque um dos elos se rompera durante o seu processo de separação. O elo afetivo da presença física diurna, perene e constante do valioso apoio presencial.

Ele resolveu então voltar a estudar e viver só para isso e mais o trabalho que o ajudava a mantê-lo vivo e por via de regra a fazer com que sua ex-esposa ganhasse mais responsabilidades na manutenção da família e na criação das filhas. É óbvio que ele também ajudava financeiramente, mas não mais como antes fizera, com enorme sacrifício pessoal no seu orçamento. Agora teria que cuidar também dele mesmo porque seu salário de servidor público era minguado e não dava mais para viver daquele jeito onde se destacava como verdadeiro burro de carga.

A ex-esposa casou-se novamente com um de seus pares da academia, mas logo se separou dele também e Justino permaneceu sozinho, já sem muitas aventuras, mas com uma sede enorme de conhecimento e de participação nos assuntos sindicais, políticos e de cidadania.

O pai dele, de nome Januário, homem bom e protetor valioso, ele o perdera ainda muito jovem e sua mãe Judith, de câncer, já depois de separado, o que o tornara como que um órfão adulto e meio sem direção afetiva que o orientasse e consolasse. Com isso alterou bastante o seu modo de pensar, agir e relacionar-se com as pessoas. Virou um rebelde implacável e questionador.

O tempo foi passando e ele foi tornando-se meio que anti-social, mas ao mesmo tempo prestava mais atenção a si mesmo na busca constante e incansável de querer sempre mais conhecimento, mas de forma bem solitária e do tipo ermitão, nosso Justino, então ganhou uma certa projeção social e as filhas, Janaina e Jaciara, como Janete sua ex-esposa, ainda mais se consolidavam no saber.

Embora pouco se falassem, Justino e Janete, havia entre eles uma grande respeito de parte a parte e sempre cuidadosos na formação de suas filhas que se destacavam como lideranças nas suas atividades acadêmicas.

Até que um fato curioso ocorreu que os levou a reunir-se num almoço de Domingo de Ramos, que fizeram para homenagear sua filha Jaciara que estuda no exterior e passava as férias ali na cidadezinha onde nascera e se tornara uma bela jovem super inteligente e talentosa.

Essa linda garota fora a que mais sofrera com a separação de seus pais, daí a sua personalidade rebelde, agressiva e bem acima da média em visão e sinergia com os problemas sociais que a circundava. Uma carga muito pesada para uma frágil garotinha que vivia sozinha em país distante. Poetisa sensível, com visão científica aguçada, tinha essa pedra em seu caminho que não aceitava no seu íntimo, a ausência do pai em seu seio familiar.

Jaciara tornara-se a melhor aluna em tudo, como forma de chamar a atenção de seu pai que nutria certo encanto pelo equilíbrio de Janaina e sua harmonia com ele e também por realizar um de seus sonhos irrealizados de menino que era formar-se em medicina. Em momento algum Justino forçara ou induzira sua filha Janaina ao sacrifício de uma profissão que requeria vocação própria ao seu exercício. Fora ela própria que se encantara com a profissão de médico e vinha se realizando profissionalmente nela.

Justino até se perguntava o por quê desse conflito interior de Jaciara que se identificava mais com a mãe Janete e rejeitava os assédios de re-aproximação do pai Justino, considerando que eram falsos. Diante de tanta perturbação interior, Jaciara sucumbiu em depressão.

Janete, sua ex-esposa, desesperada diante da saúde debilitada de sua filha Jaciara, chamou o Justino para que viesse ver com os próprios olhos o que acontecia com Jaciara. O pai imediatamente acorreu ao chamado e foi ao encontro da sua filha caçula que ele tanto ama e quer proteger. Levou-a em bons restaurantes e alimentou sua alma frágil para dar suporte a estrutura física e emocional que estava em frangalhos.

Descobriu então, em meio as conversas que mantinha com ela, a mãe e a amiga (Jandira) da família de mais de 20 anos ,que o buraco existencial de sua filha estava ainda na não aceitação da separação de seus pais por mais de dez anos ocorrida e que era o motor principal da sua dor.

Justino que nesse período se hospedara em casa de Jandira, fez com ela reflexões valiosas sobre o que presenciaram em noite de lua cheia belíssima. Combinaram então fazerem juntos um almoço de confraternização pasqualina de ressurreição, com um suculento bacalhau e convidaram Janete, Janaina e Jaciara, a principal homenageada do evento. Vinhos finíssimos trazidos por Justino, deram a pedra de toque para o Banquete de Babete (Janete) em farta e suculenta mesa de comunhão Pascal.

Tudo transcorreu numa paz gostosamente transcendental e passados alguns minutos Justino, durante o banquete, tendo Jaciara ao lado, Janete na ponta da mesa, seus dois filhos, José e Juanita também presentes à mesa e Janete em frente ao Justino, pegou a todos de supetão dizendo que tinha uma proposta de casamento a fazer.

Jaciara a homenageada então, muito sagaz e inteligente, disse de bate - pronto, já sei: Você e tia Jandira irão se casar e eu estou de acordo! Justino então disse: Você está enganada a proposta é resgatar o casamento de seu pai com sua mãe. Os olhinhos de Jaciara ganharam um brilho estelar. Janete então, que havia proposto a separação anterior ao Justino, deixou-se denunciar num impulso maternal de proteção à cria fragilizada e disse eufórica: EU TOPO!

Foi um momento mágico onde o riso misturou-se à bacalhoada e ao rosto angelical, terno e encantador da menina mulher que tanto esperara por aquele reapaixonar-se pela vida, que lhe fugira durante a separação de seus pais. E comeu como nunca do lauto banquete, e ao final, levando debaixo do braço, de sobremesa, um enorme ovo de Páscoa que Justino lhe presenteara.

Hildebrando Menezes

Nota: No segundo episódio contaremos os desdobramentos desse misterioso caso de amor e dor.

Navegando Amor
Enviado por Navegando Amor em 18/04/2011
Reeditado em 18/04/2011
Código do texto: T2916056