Um encontro inesperado

Um encontro inusitado na cozinha. Ele me olhou com aqueles olhinhos tão pequeninos, tão carentes. Seu narizinho suado de medo fez meu coração gelar. Eu não esperava ver aquelas mãozinhas pequeninhas, frágeis e cheias de farelo de pão ali na minha frente. Os quitutes deixados postos na mesa do café da manhã serviam como banquete para aquela criaturinha que invadira a minha cozinha inesperadamente e sem pedir licença somente para saciar a fome.

Eu nunca antes pensara em fome, pois sempre tive tudo à minha disposição, porém, ao ver aquele serzinho faminto em minha frente, pensei em quantas criancinhas não possuem nem mesmo um pão para comer e me senti culpada por não querer dividir minha comida farta com ele. Mas eu sou mesmo egoísta e a culpa inicial foi transformando-se em raiva e nojo por vê-lo todo sujo e fétido ali, à beira de minha mesa. Não conseguia imaginar como e nem por onde ele entrou. A casa era segura e as maiores frestas eram bem menores do que o seu corpinho esquelético.

A repulsa foi recíproca. Ele fuzilou-me com os olhos pequeninos e cheios de lágrimas, como se fosse chorar a qualquer momento. Sentiu medo, estremeceu. Permaneceu imóvel, me olhando por alguns segundos. Depois, correu para a pia, como se quisesse se esconder de vergonha ou sair correndo pela janela. Sem pestanejar, atirei um guardanapo branco e limpo na cabecinha daquela criatura suja, que ficou cega de medo. De um salto, caiu cambaleante no chão da cozinha e conseguiu dar apenas dois passos arrastando o guardanapo. Imediatamente, peguei do primeiro objeto que poderia ferir e atirei na criaturinha inocente, torcendo para amedrontá-la, sem acertar.

Ouvi apenas um gemido e um choro antes de perceber uma poça de sangue escorrendo pelo chão, mas já era tarde para qualquer arrependimento. Neste momento, minhas mãos estremeceram, meu coração disparou e meus cabelos arrepiaram. Era a primeira vez que eu cometia um crime e para piorar, aquele ser faminto não teve tempo de se defender e se o tivesse, mesmo assim não o faria, pois sua fragilidade não permitiria.

As mãozinhas ainda estavam cheias de farelo de pão, a boquinha manchada de geléia de frutas e havia pequenos pedacinhos de bolo espalhados pelo corpinho abatido no chão. Antes de morrer, pelo menos havia se deliciado com todos os quitutes da mesa. Os restos de alimentos, agora contaminados, não prestariam mais para consumo e teriam de ser descartados no lixo, juntamente com aquela criaturinha asquerosa, um rato que invadiu minha cozinha para roubar um pedaço de pão.

Escrito em 21/04/2011

Langeli
Enviado por Langeli em 21/04/2011
Código do texto: T2922339
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