“MAIS JUDEU DO QUE VOCÊS”

Quando publiquei meu primeiro livro, Os Meninos da Guerra, em 2003, fui bastante homenageado pela comunidade judaica de Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul, além de ter recebido carta de recomendação da Federação Israelita de Porto Alegre. Em conseqüência disso, por esse tempo também tive o privilégio de ir com seu Guilherme, Hilel Silberfarb, o personagem do livro, então com sessenta e oito anos, aos cultos de entrada do sábado (o Shabat – Hashabat), na sinagoga da Federação Israelita, bem como do Centro Israelita de Porto Alegre. E nessas cerimônias de reconhecimento da soberania divina e adoração do D’us Criador não me senti nada fora do lugar comum, pois como adventistas do sétimo dia sempre comemoramos a entrada do sábado com cultos em família ou na igreja ao pôr-do-sol de sexta-feira, confraternizando depois com uma refeição comunitária. Na sinagoga do Centro Israelita fui homenageado pela publicação do livro, quando foi observado que a publicação mostra grande simpatia pelo povo hebreu, alto grau de consciência quanto aos seus direitos como seres humanos, etnia e nação, bem como sua cultura e história, todos apresentados através de um amplo conhecimento dos pormenores de sua religião do Eterno, D’us de Abraão, de Isaque e de Jacó.

Sonhara fazer parte mais ativa da história do povo de Israel desde que tive a oportunidade de produzir o layout e arte-final do cartaz para a comemoração do Purim quando trabalhava na agência de propaganda da mãe e filha judias, Fichbein Comunicação Integrada. Nesse tempo eu tinha em torno de vinte e cinco anos e havia menos de sete que assistira ao filme Holocausto e descobrira que o povo da Bíblia ainda existia. Na oportunidade em que criei o cartaz da festa do Purim me senti parte da história desse povo, sendo sujeito ativo do cumprimento de uma ordenança dada pela rainha Ester da Média e Pércia em torno de quinhentos anos antes de Cristo. Mas quando publiquei Os Meninos da Guerra, contando a história de Hilel como um menino judeu de três anos e meio de idade fugindo dos nazistas e voluntários ucranianos pelos matos gelados da Polônia de 1939 à 1945 me senti personagem altamente relevante na história sem fim dos judeus.

Após as solenidades religiosas e homenagens, fui convidado para a confraternização num reservado no andar inferior da própria sinagoga, onde seu Guilherme e o Benomy, seu filho mais velho, se encarregaram de ir me apresentando as pessoas. Em dado momento conversava com a jovem cantora do Centro Israelita enquanto observava os anciões que conversavam em separado ao fundo do recinto. Com eles estava o seu Guilherme (Hilel), que logo se dirigiu a mim e me convidou para juntar-me com ele aos velhos judeus. Quando chegamos ao grupo, o ancião mais idoso me perguntou a queima-roupa se eu era judeu, pois disse que tinha observado que eu dispunha de muito conhecimento sobre os judeus. Preparava-me para responder que era judeu de coração e princípios religiosos (o que explicaria depois), embora viria a descobrir anos mais tarde que meus antepassados são de ascendência israelita (possivelmente levitas) e que ainda praticam o judaísmo nas províncias de Viseu e Guarda, onde começou o sobrenome (apelido) Amaral. Nesse momento, porém, quando eu me preparava para responder bem, seu Guilherme atropelou, dizendo: “Ele é mais judeu do que vocês, pois ele é de uma religião que guarda a Lei de D'us e vocês não guardam.”

Jamais eu falaria dessa forma, dando uma resposta melindrosa dessas. Bem pelo contrário, sempre respeitei e tive reverência palas pessoas idosas e suas convicções. Igualmente não falaria de cristianismo dentro de uma sinagoga, pois o próprio Cristo foi expulso de uma. Responderia, porém, a respeito de minha religião adventista do sétimo dia e como procuramos obedecer a D’us cumprindo todas as suas ordenanças e mandamentos, abstendo-nos de carnes imundas, do trabalho no santo sábado e tudo o mais conforme a Lei dada por D’us a Moisés no monte Sinai.

Seu Guilherme, porém, costumava dizer o que lhe vinha à mente. E ele podia, afinal era judeu e idoso como aqueles senhores. Quanto a mim, confirmei a resposta que ele dera e, por causa do melindro dessa resposta, achei melhor parar o assunto por ali. Por isto, fui saindo de mancinho, me fazendo de interessado em outro assunto. Ele ficou lá explicando a eles que eu pertencia a Igreja Adventista do Sétimo Dia e que eles guardavam a Lei e as ordenanças mais fielmente que muitos judeus.

Wilson do Amaral

Autor de Os Meninos da Guerra, 2003 e 2004, e Os Sonhos na Conhecem Obstáculos, 2004.