A mediocridade em forma de esperteza
Larissa pegava dois ônibus para chegar até o trabalho. Cansada, ela sempre tomava um copo d'água antes de entrar para a sala de Telemarketing. Na primeira ligação ela já estava preparada para ouvir xingamentos e despistar a inteligência do cliente:
- Senhor, vou mandar sua reclamação para o departamento responsável e dentro de trinta dias eles retornarão para que o senhor cancele sua assinatura.
Ela sabe que o setor responsável não vai ligar, para testar o cliente e fazer com que passe despercebido mais alguns meses de assinatura. Em outra ligação ela explica para uma outra pessoa que para cancelar a assinatura é necessário pagar uma multa.
Dois segundos depois Larissa ouve, através de seu aparelho, a voz de uma garota que diz ter esperado a ligação da revista durante um mês.
- Senhora, o prazo para o departamento de vendas ligar na sua casa vai até oito horas da noite.
- Mas e se não ligarem?
- Ligarão amanhã. É porque depende do agendamento deles.
- Por que é impossível cancelar a assinatura com vocês?
Larissa não responde, enrola, e a garota na linha tenta passar telepáticamente a pior energia possível para aquela atendente medíocre que acha que está a parte do procedimento antiético da empresa. Larissa realmente acredita que não tem culpa do modo de como aquela revista trata seus próprios clientes. Ela tenta esquecer que a origem do salário que recebe vem das assinaturas enroladas para serem canceladas. Seu salário também vem de pessoas que usam a má fé ao dar explicações incompletas sobre as condições de pagamento da revista, sobre a forma de como o cliente tem dificuldades para desfazer sua assinatura, e até mesmo sobre o número de revistas que ele vai receber.
Larissa vai pra casa. Depois dorme. Depois acorda. Sempre cansada e despistando clientes. Ela é esperta, mas não sabe fazer outra coisa a não ser enganar pessoas. Larissa tem certeza de que é inocente da falta de ética dos seus patrões. Ela esquece que está tão infiltrada no meio daquela sujeira que não sente o fedor quando alguém a manda ir à merda.