Irene

Irene

Gosto tanto do nome Irene que me ponho a considerar metafisicamente a letra i.

A letra i não tem um pingo de modéstia, além do seu próprio, obrigatório. Vez por outra, quando julga ser o seu pingo uma auréola, sente-se santa; já, quando se enche de empáfia e tem no pingo uma coroa, age como uma rainha. Entretanto, santo ou rei, o i nem tem a mínima atração, pois, caso tivesse, o pingo que flutua sobre ele cairia verticalmente, criando o primeiro i com cabeça. Com cabeça, o i ficaria bem pesado e poderia tombar, separando-se, por causa do choque, do seu pingo. Se cair para a direita, o pingo transforma-se em ponto, quando não em ponto final, voltando a ser o i original, pois que tudo terminaria. Um desaponto. Se tomba para a esquerda, coisa se complica: o pingo permanece ponto mas o i teria quer ser maiúsculo por estar iniciando a frase. Maiúsculo perde o pingo e, mesmo maiúsculo, porém sozinho, nada significa em português. Em inglês, I, torna-se pronome egoísta, sentindo-se dono do mundo, como todo bom anglo-saxão adora ser, mesmo que seja moreno e tenha nome arabizado. Se virar de cabeça para baixo, duas coisas podem acontecer: como uma gota o pingo poderá despencar e se esborrachar no chão ou na pauta; ou, então, transformar-se em ponto de exclamação (assim, ó: !) – e mudar de categoria, isto é, de letra passaria a sinal. Vejam que o i não dorme no ponto. Quando você ajunta diversos is, estará prenunciando susto ou iminência de perigo – iiiiiiiiiiih. O h no final age como barreira para assegurar número limitado de is, diminuindo o perigo.

É preciso ter o máximo cuidado quando alguém afirma que “vai pôr os pingos nos is”, com isto querendo dizer que irá ajustar as contas, falar a verdade, abrir o jogo ou abrir as cartas na mesa. Porque, além do pingo obrigatório, o i deverá receber um segundo sobre ele, para que o referido pingo no i esteja concretizado. Qualquer outro pingo acrescentado transforma o sinal em chuva, molhando e até dissolvendo a pobre e magra letra. Nosso alfabeto não poderia viver sem o i, embora, em passado distante, seu irmão gêmeo, a letra j , reproduzisse o mesmo som e finalidade. Exemplo: a inscrição universal INRI que quer dizer Jesus Nazareno Reis dos Judeus. Percebam que i e j saíram juntos do mesmo útero e, também o J, quando maiúsculo, por solidariedade ao mano, perde o pingo sem perder a estribeira. Um terceiro irmão, banido injustamente do nosso alfabeto e que a partir deste ano foi repatriado, a letra Y entre nós recebe o apelido de ipsilon. Por causa dos seus dois chifrinhos não era bem visto, talvez o motivo do seu desterro. Entretanto, como o adultério deixou de ser crime ou motivo de execração, nosso alfabeto, em boa hora, resolveu trazer de volta o querido e suspirado Y, que de ruim só tem a pronúncia, capaz de soltar dentaduras de incautos e complicar a dicção já prejudicada dos bêbados e afins.

Não estou implicando com nada ou com ninguém... São considerações metafísicas...

Apesar da magreza e da presença (ou ausência) insignificante, mas imprescindível, o i sempre foi do contra e, com a cumplicidade do R ou do N, pois que respeitam a sua importância entre as poucas vogais, inverte o sentido das palavras, contra-diz, coloca às avessas os termos bem intencionados, mostra o seu poder de nanico. Com a conivência do R torna o resistível em irresistível; mancomunado ao N transforma o solúvel em insolúvel, o que pode falhar, falível, em infalível ( ai que vontade de implicar com o Bispo de Olinda!).

Letrinha ousada, revolucionária, insinuante este tal de i. Não fosse por ela a minha Irene dos sonhos acabaria em Jurema já que o V e o U também são irmãos.

Que coisa importante a metafísica, não? Se a Presidente, que não integra meus únicos três leitores, afirma ter azia quando lê jornais, com estas bobagens que escrevo aqui, aposto que teria engulhos... Aconselho a não conectar para o Planalto.