Colo de mãe

Neste mundo há muito medo que é preciso respeitar. São medos sudoresados que se apossam do corpo e invadem a alma, lacrimados, que revolvem o coração como pardais que se espojam na terra fina e levantam poeira querendo se coçar.

Quando se vive na intempérie não se pode fazer provisão de clima.

Ouvia, dia desses, o relato da menina pré-adolescente sobre medo que sentia, à noite, quando o sol já se foi deitar, ao ouvir o marulhar da água da bica do terreiro, em noite sem demão de luar. O dela era um medo a inquietar os ouvidos, como um ninho bem oculto no meio do capinzal.

A mesma menina, corajosa durante o dia, dividia as árvores entre frutíferas e silvestres, conforme os frutos que ofereciam. Menina subindo entre galhos, vivendo de procurar, sofrer e desfrutar ao ritmo de seus triunfos e decepções, por ainda não ter idade para compreender o porquê da dureza do caroço encerrado na doçura da manga madura.

Menina, no entanto, corajosa à luz do dia, distinguindo os animais entre mansos e selvagens. Mansos os que a acompanhavam, selvagens os que fugiam dela ou que ameaçavam atacar.

Medo do murmurar de uma bica... Em criança, com certeza, é sentimento que tiraniza e faz perder o sono entre o medo e o assombro. Medo de bica d água jorrando à noite, é medo infantil ressecado como um cardo, que tão logo resseca libera novo botão. Hoje, felizmente, ela, mulher, sabe, que era a bica cantando, lavando suas pedras, regando seus sulcos. Sabe, também, que o temor causado pelo rumor da bica (que a fazia pestanejar a cada ruído), era um germinar a abrir as portas do viveiro interior em que a menina, mulher se transformava.

Medo da menina com o rumorejar de uma bica no terreiro, a incitar oração ao Anjo da guarda, a buscar refúgio no colo da mãe.

Ah! Colo de mãe! É quando a escuridão se enche com uma estrela, e a noite má se transforma em boa noite!