Dias tão diferentemente iguais ao dias de solidão

Nada parecia como antigamente para ele naquela manhã. Mesmo a rotina da casa, que permanece imutável desde os tempos em que eram dois e não um, parecia não ser mais a mesma, embora tudo se fizesse como nos dias anteriores. Parecia haver no ar algo diferente, alguma coisa nova, ou quem sabe, uma coisa antiga com ares de novidade. Não conseguia definir o que era. Mas tinha a certeza de que algo havia mudado na rotina dos dias naquela casa.

Olhou para o tempo do lado de fora da janela e viu nuvens dançando ao vento. Viu árvores balançando ao som imaginário de sabe se lá o que ou quem, ou qualquer coisa. Viu a calmaria posta naquela harmonia ambiental e sorriu. Tudo era tão igual e parecia tão diferente naquele momento. Aproximou-se mais da janela para observar melhor o que acontecia do lado de fora. Debruçou-se no parapeito de pedra e deixou o olhar correr longe como criança brincando de pega-pega.

Os olhos, ávidos de novidades, correram compos à fora. Foram ao horizonte e retornaram para a horta e o pomar. Escavacaram lugares nunca dantes percebidos, penetraram na mata com a mesma ansiedade do adolescente que descobre como amar solitariamente. Desvirginou a escuridão das sombras das macieiras e se deixou cair sobre a água límpida do lago que se estendia languidamente a direita da casa. Sentiu o brilho do sol refletido na água queimando-lhe as retinas. Piscou.

Tudo era tão parecidamente diferente naquela manhã. Decidiu então retornar ao quarto. Subiu com passos preguiçosos as escadas de madeira e empurrou sem muita vontade a pesada porta de carvalho que o separava da cama desarumada no canto do quarto. Entrou. Olhou com olhos de mergulhador o espaço que o devorava deliciosamente. Nada diferente, tudo tão igual como nos outros dias. Até mesmo a roupa espalhada pelo chão era exatamente como a do outro dia, do dia anterior e de todos os outros dias que antecederam os dias que se passaram antes do dia atual chegar com sua mesmice de sempre.

Deus lhe pague! Sussurou antes de jogar-se na cama. Porque? Perguntou ao sentir-se deitado e relaxado. Não havia nada a pagar. Porque não havia o que cobrar. Tentou em vão descobrir o que o inquietava. Sem sucesso. Rolou da direita para a esquerda com os olhos fechados e da esquerda para a direita com os olhos semi abertos. Tudo era exatamente igual. Desistiu de pensar. Queria dormir apenas. Quem sabe, depois de um sono, tudo se mostrasse realmente diferente como ele sentia desde que o sol o tocou ao final da madrugada.

Dormir, dormir, dormir.... apenas isso. Sonhar com mulheres, vinhos e musica. Dormir, dormir, dormir... sonhar com dias diferentes e nunca mais iguais. Dormir, dormir, dormir... e sonhar como o fim da dor de acordar e saber que naquela manhã será preciso aprender a ser só. Sonhar que os dias que nascem a cada novo amanhecer não serão tão e exatamente iguais na solidão que a cada novo dia mata um pouco o coração.

Marcus Ottoni
Enviado por Marcus Ottoni em 02/05/2011
Código do texto: T2945306
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